A chia (Salvia hispanica) é uma planta nativa da América Central – mais especificamente, na região do sul do México e da Guatemala. Pertence à mesma família da sálvia e do alecrim.
Por séculos, a chia compunha a base da alimentação das sociedades latinas pré-colombianas, como os maias e os astecas. Sua semente virava farinha, óleo (“chia” vem de “oleoso” na língua asteca) ou era consumida pura mesmo, misturada na água e em outras comidas.
A semente de chia era tão importante que governantes astecas a recebiam como tributo de seus súditos. Além disso, também estava presente em cerimônias religiosas.
Isso acabou com a chegada dos colonizadores espanhóis, que trouxeram novos ingredientes do continente europeu e mudaram os hábitos alimentares da região. A imposição do catolicismo também limou a chia dos rituais sagrados.
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A planta foi praticamente jogada para escanteio. O que persistiu foi uma receita de chia fresca (limonada com semente de chia) e o seu uso decorativo em vasinhos de terracota na região de Oaxaca, no México.
Eram adornos curiosos: os artesãos faziam os mais diversos moldes para que as sementes florescessem no formato de animais e pequenas árvores, como na imagem que abre este texto. E foi justamente essa tradição que fez a chia ressurgir.
Em 1977, o publicitário americano Joe Pedott conheceu os vasinhos de chia durante uma feira para produtos do lar em Chicago. Ele adorou o produto e viu potencial nele. Faltava, porém, uma boa campanha de marketing.
Dito e feito: em 1982, Pedott lançou no mercado os Chia Pets – vasinhos de chia no formato de animais. O trunfo foi criar uma propaganda marcante, com um jingle-chiclete (veja no vídeo abaixo). Pedott, que morreu em 2023, ganhou muito dinheiro com os Chia Pets, que ao longo dos anos ganharam várias versões licenciadas, da Hello Kitty aos Looney Tunes.
Mas, afinal, quando a dieta da semente chia pegou pra valer?
“O pai desse tendência foi o Dr. Wayne Coates, professor de engenharia agrícola na Universidade do Arizona”, escreveu o americano David Sax em The Tastemakers, livro sobre modas gastronômicas (sem tradução no Brasil). Coates era um apaixonado por maratonas e alimentos saudáveis – e descobriu a chia numa de suas pesquisas de campo.
Em 1991, Coates e sua equipe estavam na Argentina para ajudar agricultores locais a diversificar a produção – ir além de milho e feijão em busca de alimentos mais lucrativos. Eles testaram quinoa, algumas variedades de alface – e chia. A semente foi sugestão de um membro do time de Coates, que descobrira que o cultivo era plantado em partes do México e da Guatemala.
A safra deu certo, e Coates passou a alimentar galinhas com as sementes. A ideia era produzir ovos ricos em ômega 3 (algo que estava na moda na época, e que é encontrado em altas doses na chia). Quanto mais Coates pesquisava sobre o grão, mais ele se fascinava. Para o pesquisador, era um alimento perfeito: além do potencial nutritivo, tinha um sabor pouco marcante. Ou seja, poderia ser usado em um sem-fim de receitas.
Em 2005, Coates reuniu suas descobertas no livro Chia: Rediscovering a Forgotten Crop of the Aztecs (“Chia: redescobrindo um cultivo esquecido dos astecas”), feito em parceria com o agrônomo argentino Ricardo Ayerza. A publicação incentivava o consumo do grão, que Coates passou a vender nos EUA.
Coates, vale dizer, não foi o único embaixador da chia. Na mesma época, outras pesquisas também exploraram os supostos benefícios da chia para a saúde (rica em fibras, proteínas, cálcio e ferro, ela era associada a reduções da glicemia, pressão arterial e inflamação corporal, especialmente em diabéticos).
Era o início de uma febre. No começo do século 21, o mercado foi inundado por receitas e produtos com chia, como barrinhas de cereal, bolos e panquecas. A demanda, claro, era muito maior que a oferta, e novas plantações nasceram às pressas, em países como Filipinas e Austrália.
O ritmo da procura, porém, era mais rápido que o dos agricultores. O preço da semente foi para o espaço, chegando a custar mais que filé mignon. Num intervalo de poucos meses, o valor poderia subir de 30%.
Superalimento?
A chia é um dos representantes mais famosos dos “superalimentos” – comidas que, de tão nutritivas, seriam a solução perfeita para dietas. O problema é que essa classificação é imprecisa, e exagerada. O termo “superalimento” não tem definição oficial por agências reguladoras nem é empregado na pesquisa acadêmica, e está proibido desde 2007 na publicidade da União Europeia.
É claro: muitos alimentos são ricos em nutrientes que fazem bem à saúde. Mas é difícil fazer estudos isolando os efeitos de apenas um deles em uma dieta na vida real. Muitas pesquisas nesse tema foram feitas só in vitro ou em animais. Vale mais a pena gastar o dinheiro em alimentos variados, in natura, em vez de comprar alguns poucos superalimentos superfaturados.
Para saber mais sobre superalimentos e outras pegadinhas do mundo da nutrição, recomendamos a leitura desta reportagem de capa da Super.
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