
Há cinco dias, desde que o Papa Francisco foi internado por causa de complicações causadas por uma infecção das vias respiratórias, cresceu a preocupação com a saúde do pontífice. Isso porque, nos últimos tempos, ele já vem mostrando fragilidade em sua saúde. Com 88 anos, ao enfrentar complicações constantes, uma pergunta fica no ar: o que acontece se Francisco falecer? Além da sucessão do cargo, outra questão também surge. Será que papa deixa herança?
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A resposta é sim, como qualquer outra pessoa, o Papa deixa herança. E não é tudo para a Igreja, porque bens obtidos fora da atividade clerical ficam sujeitos às leis do país do religioso. Por isso, ele pode fazer um testamento ou deixar a cargo dessas leis civis.
Pequeno detalhe
Mas um detalhe pode complicar tudo. Em vários países, ao deixar todos os bens ativos, a pessoa também pode deixar os passivos. Ou seja, ele também pode deixar as dívidas.
No caso de Bento XVI, cinco primos poderiam dividir os bens deixados pelo papa aposentado, que morreu em 2022 aos 95 anos. Mas, na época, nenhum deles estava disposto a tocar nesses bens. Isso porque, pelas leis da Alemanha, ao aceitar o dinheiro o herdeiro também assume quaisquer reivindicações legais contra o falecido.
O problema é que Joseph Ratzinger, nome original do ex-papa, era réu em um dos casos mais rumorosos de abuso sexual clerical da Alemanha. Os problemas dele começaram em 1980, quando era arcebispo de Munique, e o reverendo Peter Hullermann foi transferido de Essen para a capital do estado da Baviera. Hullermann havia sido acusado de oito casos de abuso de crianças em Essen, mas enquanto Munique foi informada de seu histórico, o público não foi.
Depois de passar por uma terapia, Hullermann voltou ao ministério normal perto de Munique, sem nenhuma menção aos seus problemas passados. Isso lhe deu acesso a menores mais uma vez, e em 1986 ele recebeu uma sentença de 18 meses de um tribunal local por abusar sexualmente de 11 meninos. Então, o padre foi enviado para perto da fronteira com a Áustria, e o abuso continuou. Em 2008, ele foi transferido novamente, para uma cidade termal ao sul de Munique. Lá, em 2010, ele foi suspenso como padre e finalmente destituído em 2022.
O ex-papa negou saber sobre Hullermann até janeiro de 2022, quando um relatório sobre abuso sexual na arquidiocese de Munique mostrou que ele havia não só participado de uma reunião em 1980 sobre a transferência de Hullermann como aprovado a mudança.
Uma das vítimas, Andreas Perr, entrou com processo alegando que havia sido abusado sexualmente por Hullermann na década de 1990. Na ação, Perr pedia 50.000 euros por danos e outros 300.000 euros para a Arquidiocese de Munique, que não impediu o avanço dos casos. Além disso, ele pediu que os réus pagassem quaisquer custos futuros resultantes do abuso.
Diante dessas acusações de omissão, os herdeiros do papa se afastaram. O assistente de Bento XVI, arcebispo Georg Gänswein, até entrou em contato com os poucos primos dele ainda vivos quando começou a executar o testamento, mas vários deles já declinaram sem nem mesmo saber de quanto seria a herança, diante da perspectiva de assumir o ônus do escândalo que manchou o legado de Ratzinger.
Como é no Brasil
Por aqui, as dívidas não superam a herança. Quer dizer, se o passivo for maior que o ativo, os herdeiros não são responsabilizados. Dessa forma, como os herdeiros não respondem por eventuais crimes cometidos pelo falecido, porque a pena criminal é personalíssima, como explica a advogada Marina Dinamarco, sócia de Direito de Família e Sucessões do escritório Marina Dinamarco Advogados.
Não vai tudo para a Igreja?
Marina explica que os bens do Papa ou dos padres em geral não são considerados “bens eclesiásticos”, ou seja, não são bens de propriedade da igreja. Para o Papa destinar seu patrimônio para a Igreja, ele precisa fazer um testamento.
Mas, no Brasil, a destinação da totalidade somente é possível se não houver descendentes, ascendentes ou cônjuges e companheiros, os herdeiros considerados necessários. Para estes, a lei reserva 50% do patrimônio.
Como os padres diocesanos e o Papa não podem casar e ter filhos, seu patrimônio poderia ser deixado para pais ou avós vivos. Se o padre não tiver deixado parentes vivos, a herança seria considerada “vacante”, ou seja poderia ser devolvida ao Estado, segundo a advogada.
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