Luciana afirma que, no Brasil, o machismo exige que as mulheres sejam objeto sexual, que não tenham opinião, que não aprendam nem falem. É só constatar quantas mulheres morrem diariamente por feminicídio. É claro que o machismo existe no mundo inteiro, mas em alguns países, como no Brasil, o machismo estrutural é mais evidente.
Ela cita a psicanalista Susie Orbach, que afirmou que enquanto uma mulher sobe e desce da balança, tem alguém mandando no mundo em seu lugar. A mulher está tão preocupada com seu corpo e com sua aparência – afinal é isso que vai dizer quem ela é para os outros –, que não tem tempo nem energia para investir em outras atividades que possam enriquecê-la mais, que tenham mais substância, diz Luciana, lembrando do filme A Substância.
“As mulheres parecem ser descartáveis, e muitas são descartadas mesmo. Dá muito medo ficar invisível depois de certa idade. A estrutura machista é tão opressora que a mulher precisa provar que é desejada, como se, ao perder o desejo masculino, não sobrasse mais nada. Como se ela fosse abandonada pela sorte, uma sensação de abandono e de desamparo muito grande. É um momento muito dolorido. E a mulher precisa ser forte para descobrir outros interesses na sua vida, outras formas de se enriquecer, outros recursos além do corpo, da magreza, da juventude e da beleza”.
Ela faz uma analogia: ao investir nosso dinheiro, precisamos diversificar. Para investir na nossa vida também precisamos ter diferentes interesses. “Podemos criar vários sentidos para as nossas vidas para não ficarmos prisioneiras de uma cultura machista. Uma mulher interessante é uma mulher que tem muitos interesses. E que realmente se interessa por seus interesses. Você, Mirian, é uma mulher interessante. Por quê? Porque está totalmente casada com seus interesses, você dá a sua vida pelo que te interessa. Não acho que todas têm que ser assim, mas mulheres assim são interessantes porque elas têm substância, elas têm conteúdo, elas têm o que oferecer a si e aos outros”.
Precisamos investir nos nossos diferentes interesses para sermos interessantes. “Os interesses podem ser os mais variados: têm mulheres que gostam de ler, estudar e escrever, como eu e você, mas têm mulheres que gostam de crianças, de netos, de cachorros, de viajar, de conversar, etc”. Na sua experiência clínica, aparecem mulheres com depressão, melancolia, fobia, transtornos. “Muitas mulheres obcecadas com o corpo e juventude vivem em uma espécie de clausura, elas se escondem da vida. Acredito que é possível vencer o pânico e a vergonha de envelhecer se pararmos de nos esconder da vida, se tivermos a coragem de sermos mais donas do nosso destino, e encontrarmos outras fontes de prazer mais construtivas”.
Para mostrar a importância de ter interesses e diferentes fontes de prazer, Luciana dá como exemplo a sua própria vida. “Eu fiquei viúva duas vezes e estou no meu terceiro casamento. O primeiro durou vinte anos, o segundo dez anos e estou com meu novo companheiro há oito anos. A primeira vez que fiquei viúva, eu tinha 39 anos e três filhos pequenos. Eu percebi que, apesar de estudar e de atender pacientes, estava há muito tempo só lidando com marido doente e filhos pequenos. Eu me sentia empobrecida, desinteressante. Foi então que me lembrei de que tinha algo que sempre gostei de fazer e que não fazia há muito tempo porque não tinha tempo para mim, porque era sugada pelo tempo: escrever ficção. Aí voltei a escrever ficção, escrevi um livro de contos e um romance. E percebi que escrevendo eu me tornava interessante para mim mesma e para os outros, que eu podia ser divertida e profunda ao mesmo tempo. E voltei para a universidade e fiz o meu mestrado no campo dos problemas alimentares”.
Para Luciana, recuperar seu desejo de escrever foi fundamental para, depois de três anos da morte do primeiro marido, se abrir para um novo relacionamento. “Infelizmente, meu segundo marido também adoeceu e morreu. Mas eu continuei escrevendo. Escrevi meu terceiro livro Educação para a morte. O conselho que eu dou para as mulheres que estão sofrendo com seus pânicos, inseguranças e vergonhas é o conselho que dei a mim mesma. Enfrentem os seus dramas, não se escondam, está na hora de sair da clausura. Encontrem objetivos e propósitos que façam sentido para as suas vidas. É muito duro viver escondida, com medo e com vergonha. Se você descobrir e se apaixonar por seus interesses, será uma mulher interessante, para você mesma e para os outros”.
A nossa beleza não vem só do nosso rosto ou do nosso corpo, conclui. “A nossa beleza é um conjunto que emana de dentro. É nisso que precisamos investir: nesse conjunto que emana de dentro. Os outros, quando olharem para nós, vão perceber que não murchamos, mas que florescemos com o passar do tempo, pois encontramos uma nova forma de nos alimentar da vida”.
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