Em entrevista exclusiva à Vogue Brasil, Anna Wintour, a editora que mudou a história da moda no comando da Vogue americana, nega que seja uma fria mulher de negócios. “Minha timidez é mal interpretada” Esta matéria foi publicada na edição 259 da Vogue Brasil, em 1999.
Ela é, de longe, a mulher mais poderosa do mundo da moda internacional. Temida, resguardada, influente e segura ao lançar tendências, Anna Wintour conseguiu se transformar no ícone que o universo fashion não tinha desde Diana Vreeland. Em 11 anos no comando da Vogue americana, ela conseguiu não só fazer da revista uma empresa que movimenta US$ 150 milhões por ano, mas também ajudou toda uma geração de estilistas dos Estados Unidos a ganhar espaço no resto do mundo. De quebra, ela ainda teve um papel decisivo na crescente fusão de Hollywood com a moda e, da mesma maneira, deve se tornar um impulso significativo no cross-over da indústria fashion com a internet. Aos 50 anos, Anna é também a síntese da mulher moderna, que mistura profissionalismo com atitude sexy, uma personagem que frequenta os bailes de gala no Metropolitan Museum of Art com a mesma classe com que aparece nas colunas de fofocas de Nova York.
Saída de uma família tradicional da Inglaterra, filha de um editor do jornal Evening Standard (Charles Wintour), a editora entrou no mercado na década de 70 trabalhando para Harper’s and Queen, onde produziu um comentado editorial inspirado em obras impressionistas. Em 1976, Anna se mudou pela primeira vez para Nova York, para trabalhar na Harper’s Bazaar e, em seguida, na Viva e New York. Por intermédio do diretor criativo da Condé Nast, Alexander Liberman, ela foi contratada pela então editora-chefe da Vogue, Grace Mirabella. Constantemente comparada a um “furacão”, Anna logo ganhou a chefia da Vogue inglesa e, em seguida, da House & Garden — que ela transformou em uma revista chique, com tantas celebridades quanto a Vanity Fair. Em 1988, Mirabela foi demitida e Anna assumiu a direção da Vogue americana, garantindo o crescimento da revista por meio da contratação de fotógrafos exclusivos como Steven Meisel e Mario Testino.
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Uma década depois, a editora virou uma potência. Impulsionou, por exemplo, a compra da Fairchild Publications pela Condé Nast, uma negociação de US$ 650 milhões, que colocou a Vogue sob o mesmo teto que a W e o Women’s Wear Daily e que gerou rumores de que a chefia da revista seria pouco para Anna. A notícia que circulou nos últimos meses era a de que ela iria assumir a direção do Costume Institute, do Metropolitan Museum of Art, no lugar de Richard Martin, que morreu em outubro. O cargo foi ocupado por Diana Vreeland, quando ela resolveu abandonar a Vogue. A informação oficial, no entanto, é de que Anna fica onde está. Considerando-se a animação da editora com as novas possibilidades da internet e do crescimento da moda internacional em tempos de economia aquecida, é difícil imaginar ela deixando o emprego — pelo menos nos próximos tempos.
Ao ocupar um cargo de tamanha evidência, Anna também é inevitável alvo de críticas. Lembrada como dona de um comportamento “frio”, diz que sua timidez é mal interpretada e que tem consciência de que a imagem que tem para a família e os amigos é bem diferente da visão pública. Mãe de uma menina de 11 anos e de um menino de 13, ela teve de enfrentar a invasão da imprensa fofoqueira americana na separação de seu marido — com quem foi casada por 15 anos —, David Shaffer, nos últimos meses. Enquanto boa parte do mundo da moda queria saber os detalhes sobre sua vida pessoal ou sua reação sobre a ida de sua assistente, Kathy Betts, para a direção da Bazaar, Anna continuou falando publicamente sobre seus planos em relação à moda.
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Talvez pelo seu profissionalismo extremado, sua opinião sobre a evolução da indústria é cada vez mais especulada pela imprensa mundial. Quando recebeu Vogue Brasil para uma entrevista exclusiva, em um frio dia de outono em Nova York, ela estava também tendo todas as atividades de seu dia a dia registradas por uma equipe da BBC, que produz um documentário sobre a vida dela, com exibição prevista para o ano de 2000.
Vestindo saia e camisa bege, com uma estola de pele marrom-clara e sem os famosos óculos escuros, Anna tem andar firme e mostra-se animada para falar de moda. Simpática, contida e incisiva, reconhece que o início da década foi “inexpressivo” e garante que as modelos vão estar em alta no ano que vem. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Com André Léon Telley, o melhor amigo e consultor de todas as horas, a editora chega a uma festa no Metropolitan de Nova York
Vogue Brasil
Vogue: Nos tempos de Chanel e Schiaparelli, a moda era criada de cima para baixo — elas tiravam ideias de suas próprias cabeças —, enquanto hoje estilistas buscam inspiração nas ruas e em brechós. O que acha dessa evolução?
Anna Wintour: Coco Chanel estava criando para uma cliente muito diferente do que, digamos, Karl (Lagerfeld) para a marca hoje. Naquela época, o público era formado por mulheres com dinheiro, que poderiam ou não trabalhar. Ela foi uma das primeiras mulheres que realmente tentou criar para a mulher que trabalhava. Elas vinham de uma faixa da sociedade muito definida, com regras mais rígidas, enquanto hoje a moda e a maneira como as pessoas se vestem é muito mais diversificada. Isso tem a ver não só com as mudanças de papel da mulher na história, mas também com o crescimento da atenção que a moda vem ganhando na televisão e outras formas de mídia. Os estilistas buscam hoje a influência das ruas, da música e do cinema, as heroínas deles, as pessoas que eles querem vestir, vêm de todos os lugares, enquanto, antes, era apenas a mulher da sociedade.
Vogue: A Vogue americana e a moda do país foram influenciadas fortemente por eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial. Qual seria um contraponto similar nos últimos anos?
Anna Wintour: O que vimos nos últimos tempos foi uma quebra total de regras. Fico pensando que a época em que todas as mulheres gostariam de se vestir como Jackie Kennedy ficou para trás. O que vemos hoje é um statement muito mais pessoal, mais individual. Acho que as garotas de hoje em dia têm como heroínas gente como Britney Spears, Madonna ou Gwyneth Paltrow. Vivemos uma era influenciada pelas celebridades.
Vogue: Como ver essa mudança de interesses pelos ícones fashion ao longo dos anos? É possível comparar o momento atual com a época em que a Vogue passou a incorporar a Vanity Fair, quando houve uma explosão de celebridades nas páginas da revista?
Anna Wintour: Essas coisas acontecem em ciclos. Acabamos de ter, nos anos 80, um grupo de modelos que adorava a ideia de ser supermodelo e celebridade. Iam a todos os eventos, usavam as roupas dos estilistas, casaram-se com estrelas do cinema; eram o sonho de qualquer garota. Na mesma época, quando Cláudia (Schiffer) e Cindy (Crawford) estavam no auge, as atrizes de cinema não queriam ser estrelas, elas preferiam andar por aí de tênis e vestidos de brechós. Como reação a isso, as new faces não queriam levar aquele tipo de vida, só queriam ser modelos e não suportavam viver sendo seguidas pelos paparazzi. Da mesma maneira, hoje, as Gwyneths da vida adoram ser estrelas, adoram ser fotografadas e sair por aí. Gwyneth (Paltrow) acaba de assinar um contrato com Christian Dior para fazer propaganda de bolsas. Então, as estrelas do cinema substituíram as supermodelos na cabeça do público. Mas, por exemplo, a capa da nossa edição de janeiro vai mostrar um novo grupo de modelos que está com muita vontade de recapturar esse espaço. Elas querem fazer capas de revistas, querem ser estrelas… Acho que modelos vão ter uma estonteante volta ano que vem.
A entrevista com Anna Wintour foi publicada na edição 259 da Vogue Brasil, com capa estrelada por Gisele Bündchen
Arquivo Vogue
Vogue: Para a senhora, qual foi o momento mais excitante para a moda neste século?
Anna Wintour: A mais óbvia resposta seria os anos 60, que foi quando todas as regras foram quebradas e isso apareceu em uma época da Inglaterra onde duquesas estavam sentando ao lado de cabeleireiros. Isso nunca havia acontecido antes e acho que essa revolução social teve muito a ver com a moda — foi o início da influência da moda em diferentes campos do dia a dia das pessoas. Sei que todos falam dos anos 60, mas eu considero um marco o fim da década e o início dos anos 70.
Vogue: E qual seria o momento menos excitante?
Anna Wintour: Não consigo pensar em uma época que seja completamente entediante, lembro de fases menos expressivas, influenciadas por grandes eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, ou o fim dos anos 80 ou o início dos anos 90 nos Estados Unidos, quando tivemos uma grande recessão. O aparecimento do grunge e o uso excessivo do preto, quando todo mundo se vestia como monge, sentindo-se profundamente arrependidos de todo o dinheiro que tinham gasto nos anos 80, é um bom exemplo.
Vogue: Como a senhora vê a atual geração de estilistas americanos?
Anna Wintour: Acho que, graças a pessoas como Bernard Arnaud, os estilistas americanos estão hoje à frente dos europeus e isso se deve ao fato de que eles realmente entendem o que as mulheres gostam. A moda tem de ser prática e confortável, a roupa tem de permitir que a mulher se mexe e ainda se divirta, seja sexy e tenha estilo. Se for para pensar em nomes que representam isso da maneira mais pura possível, tenho de falar de profissionais como Marc Jacobs, Tom Ford e Michael Kors, que trabalham tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Eles capturam muito bem o momento e sabem como a jovem mulher moderna hoje quer se vestir.
Vogue: Você disse estar muito interessada no crescimento da moda por meio da internet e do fortalecimento de novas tecnologias. Como acha que essas mudanças vão acontecer?
Anna Wintour: Acho que o crescimento da tecnologia vai fortalecer a compra de itens básicos, como jeans, camisetas, tênis, coisas que você sabe que quer e pode encomendar sem ter de experimentar. Muitas das marcas estão entrando nesse mercado. Eu ainda não sinto que os estilistas consideram a internet a mídia certa para a venda de roupas de design, porque o investimento do consumidor é muito mais alto e por isso ele ainda vai precisar experimentar a peça e ter contato com pessoas na loja — acho que essa é uma forma diferente de comprar. Mas para coisas pequenas e, principalmente, cosméticos, meias ou roupas íntimas, a internet tem um grande futuro.
Vogue: Além da internet, revistas de moda cada vez mais têm a competição de canais de TV, cabo que cobrem a cena e outras mídias. Como todas essas coisas vão andar juntas no mercado?
Anna Wintour: Acho isso tudo muito saudável. Quanto mais cobertura e atenção forem dadas à moda, melhor para todos nós. Acho que a presença da TV nos desfiles é mais do que bem-vinda, mas o problema é que ela não tem, em geral, um processo de edição para ajudar o público. Nós, por exemplo, tentamos fazer com que as pessoas entendam o que é uma determinada estação, do que estamos falando, o que funciona ou não, tudo isso por meio da edição de uma quantidade assustadora de informações. Os programas de TV, na verdade, fazem mais reportagens sobre moda e mostram coleções inteiras, enquanto a Vogue analisa o todo.
Vogue: E quanto à moda de revistas “independentes”, que vão contra o mainstream, como a Dutch, V e Flaunt?
Anna Wintour: Sempre tivemos revista contra o establishment. Enquanto houver pessoas jovens no mundo, teremos revistas independentes. Acho tudo isso muito saudável e bom para moda. Eles podem criticar o que quer que achem que as grandes revistas possam estar fazendo, mas, no final das contas, eles melhoram a indústria como um todo, oferecendo pontos de vista distintos.
Vogue: O que acha do impacto que as campanhas de moda tiveram na cultura pop dos anos 90?
Anna Wintour: Verdadeiros estilistas como Calvin Klein, Ralph Lauren e Tom Ford sempre foram muito influentes e refletiram uma cultura. Calvin Klein sempre teve uma habilidade especial para ter o dedo no botão, ele sabe o que está acontecendo. Acho que estilistas como Tom Ford e Miuccia Prada estão seguindo os passos dele: no lugar de apenas tentar vender roupas — como grande parte das marcas americanas comerciais fazem —, eles estão preocupados em criar uma imagem e essa imagem reflete o momento.
Vogue: A senhora vê esse processo ficando cada vez mais forte?
Anna Wintour: Esperamos que sim, pois é uma coisa boa para todos nós.
Vogue: A senhora conhece alguma coisa da moda brasileira?
Anna Wintour: Tal como…?
Vogue: Alexandre Herchcovitch, que mostrou sua coleção em Londres na última temporada?
Anna Wintour: Não fui a Londres na última temporada.
Ela é, de longe, a mulher mais poderosa do mundo da moda internacional. Temida, resguardada, influente e segura ao lançar tendências, Anna Wintour conseguiu se transformar no ícone que o universo fashion não tinha desde Diana Vreeland. Em 11 anos no comando da Vogue americana, ela conseguiu não só fazer da revista uma empresa que movimenta US$ 150 milhões por ano, mas também ajudou toda uma geração de estilistas dos Estados Unidos a ganhar espaço no resto do mundo. De quebra, ela ainda teve um papel decisivo na crescente fusão de Hollywood com a moda e, da mesma maneira, deve se tornar um impulso significativo no cross-over da indústria fashion com a internet. Aos 50 anos, Anna é também a síntese da mulher moderna, que mistura profissionalismo com atitude sexy, uma personagem que frequenta os bailes de gala no Metropolitan Museum of Art com a mesma classe com que aparece nas colunas de fofocas de Nova York.
Saída de uma família tradicional da Inglaterra, filha de um editor do jornal Evening Standard (Charles Wintour), a editora entrou no mercado na década de 70 trabalhando para Harper’s and Queen, onde produziu um comentado editorial inspirado em obras impressionistas. Em 1976, Anna se mudou pela primeira vez para Nova York, para trabalhar na Harper’s Bazaar e, em seguida, na Viva e New York. Por intermédio do diretor criativo da Condé Nast, Alexander Liberman, ela foi contratada pela então editora-chefe da Vogue, Grace Mirabella. Constantemente comparada a um “furacão”, Anna logo ganhou a chefia da Vogue inglesa e, em seguida, da House & Garden — que ela transformou em uma revista chique, com tantas celebridades quanto a Vanity Fair. Em 1988, Mirabela foi demitida e Anna assumiu a direção da Vogue americana, garantindo o crescimento da revista por meio da contratação de fotógrafos exclusivos como Steven Meisel e Mario Testino.
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Uma década depois, a editora virou uma potência. Impulsionou, por exemplo, a compra da Fairchild Publications pela Condé Nast, uma negociação de US$ 650 milhões, que colocou a Vogue sob o mesmo teto que a W e o Women’s Wear Daily e que gerou rumores de que a chefia da revista seria pouco para Anna. A notícia que circulou nos últimos meses era a de que ela iria assumir a direção do Costume Institute, do Metropolitan Museum of Art, no lugar de Richard Martin, que morreu em outubro. O cargo foi ocupado por Diana Vreeland, quando ela resolveu abandonar a Vogue. A informação oficial, no entanto, é de que Anna fica onde está. Considerando-se a animação da editora com as novas possibilidades da internet e do crescimento da moda internacional em tempos de economia aquecida, é difícil imaginar ela deixando o emprego — pelo menos nos próximos tempos.
Ao ocupar um cargo de tamanha evidência, Anna também é inevitável alvo de críticas. Lembrada como dona de um comportamento “frio”, diz que sua timidez é mal interpretada e que tem consciência de que a imagem que tem para a família e os amigos é bem diferente da visão pública. Mãe de uma menina de 11 anos e de um menino de 13, ela teve de enfrentar a invasão da imprensa fofoqueira americana na separação de seu marido — com quem foi casada por 15 anos —, David Shaffer, nos últimos meses. Enquanto boa parte do mundo da moda queria saber os detalhes sobre sua vida pessoal ou sua reação sobre a ida de sua assistente, Kathy Betts, para a direção da Bazaar, Anna continuou falando publicamente sobre seus planos em relação à moda.
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Talvez pelo seu profissionalismo extremado, sua opinião sobre a evolução da indústria é cada vez mais especulada pela imprensa mundial. Quando recebeu Vogue Brasil para uma entrevista exclusiva, em um frio dia de outono em Nova York, ela estava também tendo todas as atividades de seu dia a dia registradas por uma equipe da BBC, que produz um documentário sobre a vida dela, com exibição prevista para o ano de 2000.
Vestindo saia e camisa bege, com uma estola de pele marrom-clara e sem os famosos óculos escuros, Anna tem andar firme e mostra-se animada para falar de moda. Simpática, contida e incisiva, reconhece que o início da década foi “inexpressivo” e garante que as modelos vão estar em alta no ano que vem. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Com André Léon Telley, o melhor amigo e consultor de todas as horas, a editora chega a uma festa no Metropolitan de Nova York
Vogue Brasil
Vogue: Nos tempos de Chanel e Schiaparelli, a moda era criada de cima para baixo — elas tiravam ideias de suas próprias cabeças —, enquanto hoje estilistas buscam inspiração nas ruas e em brechós. O que acha dessa evolução?
Anna Wintour: Coco Chanel estava criando para uma cliente muito diferente do que, digamos, Karl (Lagerfeld) para a marca hoje. Naquela época, o público era formado por mulheres com dinheiro, que poderiam ou não trabalhar. Ela foi uma das primeiras mulheres que realmente tentou criar para a mulher que trabalhava. Elas vinham de uma faixa da sociedade muito definida, com regras mais rígidas, enquanto hoje a moda e a maneira como as pessoas se vestem é muito mais diversificada. Isso tem a ver não só com as mudanças de papel da mulher na história, mas também com o crescimento da atenção que a moda vem ganhando na televisão e outras formas de mídia. Os estilistas buscam hoje a influência das ruas, da música e do cinema, as heroínas deles, as pessoas que eles querem vestir, vêm de todos os lugares, enquanto, antes, era apenas a mulher da sociedade.
Vogue: A Vogue americana e a moda do país foram influenciadas fortemente por eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial. Qual seria um contraponto similar nos últimos anos?
Anna Wintour: O que vimos nos últimos tempos foi uma quebra total de regras. Fico pensando que a época em que todas as mulheres gostariam de se vestir como Jackie Kennedy ficou para trás. O que vemos hoje é um statement muito mais pessoal, mais individual. Acho que as garotas de hoje em dia têm como heroínas gente como Britney Spears, Madonna ou Gwyneth Paltrow. Vivemos uma era influenciada pelas celebridades.
Vogue: Como ver essa mudança de interesses pelos ícones fashion ao longo dos anos? É possível comparar o momento atual com a época em que a Vogue passou a incorporar a Vanity Fair, quando houve uma explosão de celebridades nas páginas da revista?
Anna Wintour: Essas coisas acontecem em ciclos. Acabamos de ter, nos anos 80, um grupo de modelos que adorava a ideia de ser supermodelo e celebridade. Iam a todos os eventos, usavam as roupas dos estilistas, casaram-se com estrelas do cinema; eram o sonho de qualquer garota. Na mesma época, quando Cláudia (Schiffer) e Cindy (Crawford) estavam no auge, as atrizes de cinema não queriam ser estrelas, elas preferiam andar por aí de tênis e vestidos de brechós. Como reação a isso, as new faces não queriam levar aquele tipo de vida, só queriam ser modelos e não suportavam viver sendo seguidas pelos paparazzi. Da mesma maneira, hoje, as Gwyneths da vida adoram ser estrelas, adoram ser fotografadas e sair por aí. Gwyneth (Paltrow) acaba de assinar um contrato com Christian Dior para fazer propaganda de bolsas. Então, as estrelas do cinema substituíram as supermodelos na cabeça do público. Mas, por exemplo, a capa da nossa edição de janeiro vai mostrar um novo grupo de modelos que está com muita vontade de recapturar esse espaço. Elas querem fazer capas de revistas, querem ser estrelas… Acho que modelos vão ter uma estonteante volta ano que vem.
A entrevista com Anna Wintour foi publicada na edição 259 da Vogue Brasil, com capa estrelada por Gisele Bündchen
Arquivo Vogue
Vogue: Para a senhora, qual foi o momento mais excitante para a moda neste século?
Anna Wintour: A mais óbvia resposta seria os anos 60, que foi quando todas as regras foram quebradas e isso apareceu em uma época da Inglaterra onde duquesas estavam sentando ao lado de cabeleireiros. Isso nunca havia acontecido antes e acho que essa revolução social teve muito a ver com a moda — foi o início da influência da moda em diferentes campos do dia a dia das pessoas. Sei que todos falam dos anos 60, mas eu considero um marco o fim da década e o início dos anos 70.
Vogue: E qual seria o momento menos excitante?
Anna Wintour: Não consigo pensar em uma época que seja completamente entediante, lembro de fases menos expressivas, influenciadas por grandes eventos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, ou o fim dos anos 80 ou o início dos anos 90 nos Estados Unidos, quando tivemos uma grande recessão. O aparecimento do grunge e o uso excessivo do preto, quando todo mundo se vestia como monge, sentindo-se profundamente arrependidos de todo o dinheiro que tinham gasto nos anos 80, é um bom exemplo.
Vogue: Como a senhora vê a atual geração de estilistas americanos?
Anna Wintour: Acho que, graças a pessoas como Bernard Arnaud, os estilistas americanos estão hoje à frente dos europeus e isso se deve ao fato de que eles realmente entendem o que as mulheres gostam. A moda tem de ser prática e confortável, a roupa tem de permitir que a mulher se mexe e ainda se divirta, seja sexy e tenha estilo. Se for para pensar em nomes que representam isso da maneira mais pura possível, tenho de falar de profissionais como Marc Jacobs, Tom Ford e Michael Kors, que trabalham tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Eles capturam muito bem o momento e sabem como a jovem mulher moderna hoje quer se vestir.
Vogue: Você disse estar muito interessada no crescimento da moda por meio da internet e do fortalecimento de novas tecnologias. Como acha que essas mudanças vão acontecer?
Anna Wintour: Acho que o crescimento da tecnologia vai fortalecer a compra de itens básicos, como jeans, camisetas, tênis, coisas que você sabe que quer e pode encomendar sem ter de experimentar. Muitas das marcas estão entrando nesse mercado. Eu ainda não sinto que os estilistas consideram a internet a mídia certa para a venda de roupas de design, porque o investimento do consumidor é muito mais alto e por isso ele ainda vai precisar experimentar a peça e ter contato com pessoas na loja — acho que essa é uma forma diferente de comprar. Mas para coisas pequenas e, principalmente, cosméticos, meias ou roupas íntimas, a internet tem um grande futuro.
Vogue: Além da internet, revistas de moda cada vez mais têm a competição de canais de TV, cabo que cobrem a cena e outras mídias. Como todas essas coisas vão andar juntas no mercado?
Anna Wintour: Acho isso tudo muito saudável. Quanto mais cobertura e atenção forem dadas à moda, melhor para todos nós. Acho que a presença da TV nos desfiles é mais do que bem-vinda, mas o problema é que ela não tem, em geral, um processo de edição para ajudar o público. Nós, por exemplo, tentamos fazer com que as pessoas entendam o que é uma determinada estação, do que estamos falando, o que funciona ou não, tudo isso por meio da edição de uma quantidade assustadora de informações. Os programas de TV, na verdade, fazem mais reportagens sobre moda e mostram coleções inteiras, enquanto a Vogue analisa o todo.
Vogue: E quanto à moda de revistas “independentes”, que vão contra o mainstream, como a Dutch, V e Flaunt?
Anna Wintour: Sempre tivemos revista contra o establishment. Enquanto houver pessoas jovens no mundo, teremos revistas independentes. Acho tudo isso muito saudável e bom para moda. Eles podem criticar o que quer que achem que as grandes revistas possam estar fazendo, mas, no final das contas, eles melhoram a indústria como um todo, oferecendo pontos de vista distintos.
Vogue: O que acha do impacto que as campanhas de moda tiveram na cultura pop dos anos 90?
Anna Wintour: Verdadeiros estilistas como Calvin Klein, Ralph Lauren e Tom Ford sempre foram muito influentes e refletiram uma cultura. Calvin Klein sempre teve uma habilidade especial para ter o dedo no botão, ele sabe o que está acontecendo. Acho que estilistas como Tom Ford e Miuccia Prada estão seguindo os passos dele: no lugar de apenas tentar vender roupas — como grande parte das marcas americanas comerciais fazem —, eles estão preocupados em criar uma imagem e essa imagem reflete o momento.
Vogue: A senhora vê esse processo ficando cada vez mais forte?
Anna Wintour: Esperamos que sim, pois é uma coisa boa para todos nós.
Vogue: A senhora conhece alguma coisa da moda brasileira?
Anna Wintour: Tal como…?
Vogue: Alexandre Herchcovitch, que mostrou sua coleção em Londres na última temporada?
Anna Wintour: Não fui a Londres na última temporada.