
Numa prova de que o mundo entrou em uma nova dinâmica após a nova abordagem no comércio exterior empreendida por Donald Trump nos Estados Unidos, com a imposição de alta “tarifas recíprocas” contra quase todos os seus parceiros comerciais, os economistas não ficaram animados nem mesmo com a surpresa positiva da inflação americana divulgada nesta quinta-feira. A explicação é que alívio nos preços em março não contempla os efeitos esperados pelo protecionismo.
O Índice de Preços ao Consumidor (CPI) teve deflação de 0,1% no mês passado, ante uma expectativa majoritária no mercado de uma alta de 0,1%. Com isso, no acumulado dos últimos 12 meses, o índice desacelerou de 2,81% para 2,41%.
Outro dado benigno é que o núcleo do indicador – que exclui alimentos e energia apresentou uma alta mensal de apenas 0,1% e, nos últimos 12 meses, passou de 3,14% em fevereiro para 2,81% em março.
Mas a surpresa positiva, presente até em itens como bens, serviços, transportes, habitação e energia, foi considerada pontual e até defasada. Para o Bradesco, o dado de março foi baixo, ainda que a dimensão da desinflação tenha se devido a alguma fraqueza mais específica em determinados itens de serviços.
“Contudo, dado o contexto atual de tarifas, o número de hoje já está velho e não deve direcionar o debate acerca da inflação ao longo do ano e muito menos o comportamento do Fed”, comentou o banco em sua análise..
Para Andressa Durão, economista do ASA, as projeções do mercado para o PCE [a inflação do consumo] de março, a ser divulgado no final do mês, serão revisadas para baixo após o CPI fraco, mas ainda ficarão altamente dependentes do resultado dos itens do PPI, que será divulgado amanhã.
Segundo sua avaliação, a queda de preços de serviços ligados ao turismo poderia ser um primeiro sinal de desaceleração da atividade do setor, mas ainda é cedo para afirmar. “Além disso, o item de passagens aéreas dentro do PCE é muito mais correlacionado com os outros índices de preços, menos com o CPI. Neste momento, o Fed continua mantendo os juros parados diante das incertezas sobre a inflação e a atividade econômica, enquanto mede os efeitos nos próximos dados”, disse.
Já Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, destacou que os números trazem alívio ao banco central norte-americano, especialmente após um início de ano marcado por uma inflação mais forte do que o esperado, mas ele frisou também que o índice ainda não refletiu integralmente os efeitos das novas tarifas comerciais impostas pelos EUA.
“A principal incerteza segue relacionada aos efeitos das novas tarifas comerciais dos EUA sobre a dinâmica de preços. O impacto do choque tarifário deve começar a se refletir com mais clareza nos índices de inflação a partir do segundo semestre”, previu.
Sung disse ainda que a suspensão, por 90 dias, das tarifas aplicadas a uma série de países, estabelecendo uma alíquota geral de 10%, com exceção da China oferece apenas um certo alívio no curtíssimo prazo, mas que as incertezas continuam. “Mesmo com a trégua temporária, a inflação norte-americana deve seguir em um patamar mais elevado ao longo de 2025”, comentou.
Para ele, o Fed terá assim menos espaço para cortar juros. “Nossa expectativa é que a inflação pese mais no balanço de riscos do que a desaceleração da atividade econômica. Nesse cenário, o Fed realizaria apenas um corte de juros neste ano, com margem de manobra mais limitada a partir do segundo semestre”, estimou.
Esse quadro poderia mudar caso o mercado de trabalho passe a mostrar sinais mais fortes de desaceleração, refletindo uma perda de tração da atividade. Nessa hipótese, o Fed poderia intensificar os cortes de juros ao longo deste ano, disse o economista.
De olho nas expectativas de inflação
Matheus Pizzani, da CM Capital, também advertiu que o impacto do CPI para o entendimento da conjuntura e, especialmente, para a dinâmica da política monetária, é mais complexo do que a análise inicial dos grandes números pode sugerir.
“Embora a composição mais positiva que o esperado sinalize aumento das chances de um início do processo de distensão monetária do país nos próximos meses, o impacto negativo e no sentido contrário causado por uma eventual desancoragem das expectativas dos agentes (…) pode postergar e, no limite, inviabilizar os planos do Fed de iniciar o processo de redução de juros no país”, disse.
Para Pizzani, ganham importância neste cenário os principais indicadores de expectativa de inflação, que serão peça-chave para entender como foram transmitidos para os hábitos de consumo dos agentes os eventos que ocorreram nas últimas semanas.
Segundo Dan Siluk, gerente de portfólio da Janus Henderson, os dados divulgados hoje sugerem um abrandamento das pressões sobre os preços, apesar das preocupações com os potenciais impactos inflacionários da recente implementação de tarifas e das negociações em andamento pelo governo.
“Permanecemos cautelosos em relação aos dados atuais de inflação, visto que esses números refletem um período anterior à implementação das tarifas recentes. Portanto, esperamos que possa haver maior volatilidade nas leituras de inflação nos próximos meses, particularmente do lado dos bens”, destacou.
Na opinião de Seema Shah, estrategista-chefe global da Principal Asset Management, o aumento das tarifas dos EUA sobre as importações da China exercerá uma pressão significativa de aumento nos custos, a não ser que as cadeias de suprimentos possam ser desviadas para outras economias ao redor do mundo. “Os riscos de inflação permanecem elevados, mesmo após o adiamento de 90 dias concedido ontem ao resto do mundo.”
“Em última análise, o Fed não tem espaço para ser complacente, portanto, os cortes nas taxas podem ser bastante restritos. Prevemos de três a quatro cortes este ano, sendo que uma desaceleração severa do mercado de trabalho ou riscos sistêmicos crescentes são os únicos fatores que podem levar a uma resposta mais rigorosa”, estimou.
Marianna Costa, economista-chefe da Mirae Asset, tem uma opinião semelhante. “Apesar da leitura benigna, o cenário inflacionário permanece incerto diante da escalada protecionista. O impacto pleno das tarifas anunciadas pelo governo Trump ainda não se refletiu nos preços”, ponderou;
Ela destacou ainda que, embora os dados de março sinalizem arrefecimento da inflação subjacente, o avanço de tarifas e sua possível repasse às cadeias de produção devem pressionar os preços nos próximos trimestres, exigindo cautela por parte do Federal Reserve na condução da política monetária.
A avaliação de Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, vai na mesma linha de raciocínio. “Os dados trazem algum alívio em relação à trajetória inflacionária, mas a progressão futura continua sendo uma preocupação em meio às idas e vindas das tarifas de importação do governo americano, cujos efeitos ainda são incertos”, disse.
Para ele, o dado de hoje poderia favorecer o Fed a cortar juros mais cedo (a projeção da Nomad é junho), mas, em meio à guerra comercial, o discurso baseado em cautela tende a continuar.
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