
Por mais de uma década, cientistas vêm perseguindo a ideia de trazer de volta espécies extintas, processo conhecido como desextinção. Agora, a Colossal Biosciences afirma ter conseguido esse feito — ou algo semelhante — com o lobo terrível, espécie gigante extinta há cerca de 13 mil anos e popularizada pela série “Game of Thrones”.
Em 2021, outro grupo de pesquisadores conseguiu extrair DNA de fósseis de lobos terríveis. Com novas amostras genéticas, a equipe da Colossal editou 20 genes de lobos-cinzentos, inserindo características chave da espécie extinta. A partir dessas células modificadas, criaram embriões, implantados em cadelas que atuaram como mães de aluguel.
O resultado: três filhotes saudáveis — dois machos de seis meses e uma fêmea de dois meses — batizados de Romulus, Remus e Khaleesi. Eles apresentam traços do lobo terrível: são maiores que os lobos-cinzentos e têm pelagem densa e clara, incomum na espécie atual. Avaliada em US$ 10 bilhões em janeiro, a Colossal mantém os animais em uma propriedade privada de 2 mil acres no norte dos EUA, em local não revelado.
Beth Shapiro, diretora científica da Colossal, descreveu os filhotes como o primeiro caso bem-sucedido de desextinção. “Estamos criando cópias funcionais de algo que já viveu”, disse.
Os animais permanecerão em cativeiro. Mas a tecnologia usada pode beneficiar espécies ainda existentes, como o lobo-vermelho, criticamente ameaçado e hoje restrito quase exclusivamente à Carolina do Norte.
Em 2022, híbridos de lobo-vermelho com coiotes foram encontrados no Texas e na Louisiana. Nesta segunda-feira (8), a Colossal anunciou a clonagem de quatro desses híbridos. Em tese, esses clones poderiam ser introduzidos na Carolina do Norte para aumentar a diversidade genética da população de lobos-vermelhos e evitar sua extinção.
Diversas estratégias de desextinção vêm sendo sugeridas por cientistas ao longo dos anos. Um exemplo seria usar uma célula intacta de um mamute congelado para tentar cloná-lo.
Em 2023, a Colossal decidiu focar nos lobos terríveis por serem aparentados aos cães, o que permite aproveitar anos de pesquisa em clonagem e manipulação embrionária de cães.
“Trabalhamos bastante com cães, porque todos amam esse lobo-cinzento domesticado”, disse Shapiro.
Ela integrou a equipe que, em 2021, extraiu pela primeira vez DNA de lobos terríveis, embora em quantidade limitada. Na Colossal, buscou novas amostras com o objetivo de entender melhor a biologia da espécie — e possivelmente revivê-la.
“Era o caminho mais simples para obter um resultado previsível”, afirmou.
Usando novas técnicas de isolamento genético, a equipe encontrou uma grande quantidade de DNA em dois fósseis: um dente de 13 mil anos de Ohio e um crânio de 72 mil anos de Idaho. Com esse material, foi possível reconstruir a história evolutiva dos lobos terríveis.
Eles pertenciam à mesma linhagem ancestral de lobos, chacais e cães-selvagens africanos. Separaram-se dessa linha há cerca de 4,5 milhões de anos e, 2,6 milhões de anos atrás, cruzaram com ancestrais de lobos-cinzentos e coiotes.
Segundo a paleontóloga Julie Meachen, da Universidade de Des Moines, os lobos terríveis dominavam o sul do Canadá e os EUA. Eram 25% maiores que os lobos-cinzentos e tinham dentes e mandíbulas mais poderosos, caçando cavalos, bisões e possivelmente mamutes. Com a extinção de suas presas, acelerada por caçadores humanos, os lobos-cinzentos teriam ocupado seu nicho ecológico.
Lobos terríveis e cinzentos compartilham mais de 99% do material genético. Mas 80 genes mostraram diferenças marcantes, alguns ligados ao tamanho corporal. Também foi identificado um gene responsável por pelagem clara, densa e espessa — achado que será detalhado em artigo científico.
A receita para um lobo terrível
Com a lista genética em mãos, os cientistas iniciaram o projeto.
Primeiro, isolaram células do sangue de lobos-cinzentos e as cultivaram em laboratório. Usaram então técnicas avançadas de edição genética.
A Colossal introduziu mutações de lobo terrível em 15 genes. Os cinco genes restantes não foram usados porque mutações específicas causam surdez e cegueira em lobos-cinzentos. A solução foi adotar mutações alternativas, presentes em cães e lobos, mas que não provocam doenças.
“É uma linha tênue. Queremos ressuscitar características, mas sem prejudicar o animal”, explicou Shapiro.
O DNA editado foi inserido em óvulos caninos sem núcleo. Diversos embriões foram gerados e implantados em cadelas. A maioria não vingou, mas quatro filhotes nasceram. Um morreu após 10 dias por rompimento intestinal, mas a necropsia descartou ligação com mutações genéticas.
Os pesquisadores agora acompanham o desenvolvimento dos animais, atentos a eventuais mudanças biológicas. “Estou fascinada para ver o que vai acontecer”, disse Shapiro.
Ela ressaltou, no entanto, que os filhotes pouco revelam sobre o comportamento dos lobos terríveis. “Adoraria saber como se comportavam na natureza, mas estes estão vivendo como se fosse num Ritz Carlton. Se tiverem uma farpa, a gente fica sabendo.”
A Colossal também tem dialogado com comunidades indígenas nos EUA. A Nação MHA, em Dakota do Norte, demonstrou interesse. “Sua presença nos lembraria da nossa responsabilidade como guardiões da Terra”, disse o chefe tribal Mark Fox, em nota.
Mas, soltos na natureza, esses animais enfrentariam um ambiente muito diferente da Era do Gelo. Suas presas típicas estão extintas ou em números reduzidos. Para sobreviver, teriam de caçar animais menores e disputar território com lobos-cinzentos.
Esses, por sua vez, continuam ameaçados — inclusive pela caça, problema que a engenharia genética não resolve.
No mês passado, 60 organizações ambientais protestaram contra um projeto de lei que retira o lobo-cinzento da lista de espécies ameaçadas. A mudança, segundo os grupos, aumentaria a caça e reduziria ainda mais a população.
“Se aprovada, a lei equivaleria a uma sentença de morte para milhares de lobos no país”, escreveram.
Fora do projeto da Colossal, Julie Meachen afirmou ter sentimentos mistos sobre o tema.
“A criança dentro de mim quer ver como eles são”, disse. “Mas tenho dúvidas. Já enfrentamos desafios com os lobos de hoje.”
c.2025 The New York Times Company
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