Nasci numa família de baianos e amazonenses que “se mudou” para Niterói. Cresci num lar falante exclusivamente de português. Na nossa casa não havia livros, mas havia a esplendorosa música do piano de mamãe.
Fui o primeiro a viajar para o exterior, graças à minha entrada no universo democrático das pesquisas em Antropologia do Museu Nacional. Na Divisão de Antropologia, graças à dedicação e ao profissionalismo do professor Roberto Cardoso de Oliveira, aprendi a estudar, a escrever e, sobretudo, a perseverar. RCO, como a ele nos referíamos, foi um grande mestre numa terra de medíocres metidos a sebo.
Harvard entrou na minha vida quando um dos seus docentes, David Maybury-Lewis, se associou ao meu mentor num projeto de estudo comparativo de grupos tribais de língua Jê. Ele havia pesquisado os Xerentes e os Xavantes e escrito um artigo teórico sobre os Apinajés. Eu os havia visitado e falava inglês.
Esse é o encadeamento que explica como um caipira niteroiense acabou em Harvard e a ela se associou formalmente em 1963-1964 e 1967-1971, quando finalizou o doutorado. A primeiríssima lembrança de Harvard está associada a meu nome. Como não conseguiam pronunciar “Roberto”, virei “Mr. DaMatta”. Como sou mais do mato do que da morte, adotei feliz o americanizado DaMatta.
O imenso prestígio de Harvard apareceu quando um colega me explicou que um Ph.D. harvardiano garantia emprego!
De fato, recebi e recusei uma oferta. Devia minha carreira ao Museu Nacional e ao Conselho Nacional de Pesquisas. No museu, permaneci de 1959 a 1986. Nos anos de chumbo, sofri preconceito dos dois lados. Mas institucionalizei o programa de Antropologia que lá existe, transformando colegas bolsistas da Fundação Ford em professores da UFRJ. Contra o chumbo, usei o “Veritas” (lema de Harvard) que, eu sei muito bem, está no fundo de um poço.
Em abril de 1964, um amigo ligou informando que estávamos fazendo nossa revolução cubana. Minutos depois, ouvi que era um golpe militar.
Num curso, apresentei as teorias de um fundador da Antropologia. A professora Cora DeBois, ex-aluna de Franz Boas, comentou: “Sua exposição foi ótima, mas o que você acha das ideias desse autor, concorda com elas?”. Não sabia o que dizer.
Na primeira vez que entrei na Biblioteca Widener – na época, a maior do mundo –, fui avisado: “Tenha cuidado com o labirinto de estantes. Um aluno lá se perdeu e foi achado semanas depois, faminto como um náufrago”.
Numa nevasca, perguntei se íamos ter aula. “Mr. DaMatta, Harvard não para desde 1636!” E não vai parar ante um presidente mal-educado. Hoje, o niteroiense correria o risco de não entrar em Harvard. Meu conforto é que Donald Trump, com a sua tonelagem de ressentimento e arrogância, lá jamais seria aceito…