Muito antes das correntes de WhatsApp e das fake news, os boatos de cidades fantásticas na Amazônia já viralizavam no Brasil. Não se sabe ao certo quando a lenda de Akakor surgiu, mas ela certamente ganhou popularidade em 1976 com a publicação do livro A Crônica de Akakor.
A obra foi um best-seller da década de 1970. Nela, o jornalista Karl Brugger relatava seu encontro com um líder indígena chamado Tatunca Nara, que seria o último líder do império Ugha Mongulala.
Tatunca Nara jurava que era capaz de guiar qualquer um até a cidade abandonada de Akakor, na Amazônia, que guardaria grandes riquezas em túneis subterrâneos conectados ao Império Inca e pirâmides milenares.
Se a história não parece lá muito original para você, tem um motivo: toda a trama é inspirada em lendas que já existiam antes, como as das cidades perdidas de Eldorado e Paititi. Além disso, a popularidade de Akakor inspirou diversas produções culturais famosas, como o filme Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, em que o explorador encontra uma cidade abandonada muito parecida com a descrição acima – e convenientemente chamada Akator.
Além disso, existem documentários, reality shows e até agências de turismo europeias que continuam trazendo anualmente viajantes aventureiros que procuram a cidade descrita pelo suposto último líder indígena.
Está aí o primeiro grande furo da história: Tatunca Nara, que se autointitula o último descendente de um povo que viveu na Amazônia nos últimos 15 mil anos, realmente existe, mas sequer nasceu na América do Sul. Apesar de ter um documento de identidade brasileiro com o nome inventado, o homem nasceu Hans Günther Hauck, em Coburgo, na Alemanha, em 1941. Aliás, a história de Akakor ainda envolve uma imersão histórica na Alemanha nazista. Reza a lenda que a cidade perdida abrigou alguns soldados de Hitler na floresta.
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Isso não impedia alguns curiosos de se juntarem às expedições que ele organizava em busca de Akakor. Nem mesmo o desaparecimento de pelo menos três turistas ao longo de sete anos foram suficientes para atrapalhar a empreitada. E, apesar disso tudo, Akakor nunca foi encontrada – mas sempre havia uma desculpa, claro.
Muitas vezes, Tatunca entrava na mata com um grupo de turistas e, depois de muito tempo andando sem rumo, o guia lambia árvores e dizia que continuar com o passeio seria arriscado, pois um grupo de indígenas perigosos teria passado por ali fazia pouco tempo.
Mas essas histórias obscuras relacionadas a Akakor só fortaleciam a conspiração. Não foi diferente quando, em 1984, Karl Brugger, o autor do livro que espalhou a polêmica em primeiro lugar, foi assassinado. Também de origem alemã, ele foi morto a tiros na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, em um crime que nunca foi esclarecido.
Na época, muita gente viu a morte como uma queima de arquivo de um homem que “sabia demais”. A história de Akakor, que nunca chegou nem perto de ser comprovada, continuou circulando, fortalecida entre os fãs de conspirações.
“No começo, eu não entendia direito a história, mas, muito rápido, procurando na internet, já dava para sacar que aquilo não fazia muito sentido”, diz Rapha Erichsen, autor do livro O enigma de Akakor: farsas e segredos na floresta amazônica, para a Super.
O livro acaba de ser lançado pela editora Faria e Silva e reúne diversos pontos de vista e causos sobre essa história. Uma boa parte do material e dos depoimentos inéditos vêm do cineasta Jorge Bodanzky, que é amigo de Erichsen e participou de expedições junto com Brugger e Tatunca Nara na década de 1970.
“Quando eu vi esse livro [A crônica de Akakor, de 1976], o Jorge tirou da minha mão e falou assim: ‘não mexe com essa história, só tem picareta em volta disso’. Foi isso que me instigou”, diz Erichsen. “Acho que desde o começo eu sabia que aquilo ali era uma fábula, uma história muito mal contada.”
Apesar da resistência inicial, ao longo de anos de conversa e trocas, Bodanzky começou a ceder alguns materiais e detalhes para o colega. O resultado é um livro curto que explora a relação entre verdade, ficção, imaginação e cultura.
“A minha grande pira é entender quem embarcou nessa e quem não embarcou”, diz Erichsen. “A minha maior dúvida é: quem é o farsante? É o Tatunca Nara ou é o Carl Brugger? Porque é uma história muito difícil de acreditar.”
Será que Brugger era apenas um repórter interessado em vender uma história fantasiosa, sem apreço pela verdade? Para Erichsen, não parece factível que ele tenha acreditado completamente nas histórias de Tatunca Nara. “É uma história com mais perguntas do que respostas.”
Ao mesmo tempo, quando foi assassinado, o jornalista estava pronto para se aposentar do seu emprego como repórter correspondente do canal alemão Ard no Brasil para se dedicar exclusivamente à história de Akakor. Porém, o autor relembra que apesar da narrativa aventureira e misteriosa por trás do assassinato, não é preciso ir tão longe para explicar o crime: o caso ainda ocorreu no território brasileiro que, em 1984, registrou 19.767 homicídios.
Para além da cidade misteriosa, o livro traz paralelos sutis com a realidade do mundo atual, com menções à era da pós-verdade, vigarices e à própria saúde da floresta amazônica. O autor conta que a história de Akakor é sobre a facilidade de acreditar em fantasias, sejam essas políticas ou heróicas.
“O desejo de acreditar é inerente ao ser humano. E a gente acaba acreditando no que nos convém, no que queremos, no que gostamos. O livro é muito sobre isso. Qualquer um poderia ter caído na do Tatunca Nara, porque as pessoas estão caindo agora”, conclui Erichsen.
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