É muito provável que você não consiga montar uma lista muito extensa de mocinhas das telenovelas. Mas, com certeza, consegue elencar as maiores vilãs de todos os tempos do gênero. Ou, ao menos, as mais populares: Odete Roitman, a vilã das vilãs, personagem inesquecível de Vale Tudo, Perpétua, a irmã invejosa de Tieta, ou Nazaré Tedesco, a maléfica nonsense de Senhora do Destino, entre elas.
Oito delas estarão reunidas novamente para um quadro pré-gravado dentro do Show 60 anos que a TV Globo apresentará no próximo dia 28, após Vale Tudo, para marcar o aniversário da emissora: Perpétua (Joana Fomm), Branca Letícia (Susana Vieira), Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), Raquel (Gloria Pires), Maristela (Lilia Cabral), Carminha (Adriana Esteves), Cristina (Flávia Alessandra) e Vanessa (Letícia Colin). A cena terá continuação no palco, com um musical.
Uma grande brincadeira – mas que mexeu com a emoção das atrizes (veja mais abaixo) -, para falar sobre como a telenovela está presente e pauta o debate na sociedade brasileira. O encontro foi dirigido por Dennis Carvalho, que voltou à Globo para a ocasião, depois de sua saída, em 2022, após 47 anos na emissora, e Henrique Sauer, de trabalhos como Encantados. Com exclusividade, a Globo enviou ao Estadão fotos e declarações das atrizes.

Figuras fundamentais, são elas que, cruéis e, na maioria dos casos, engraçadas, deflagram conflitos, refletem valores de uma época e podem até servir de alter ego de seus criadores. Interpretar uma vilã é também a oportunidade que atrizes esperam para subverter certa ordem que se estabelece, sobretudo na televisão, em torno de uma imagem, o que leva, muitas vezes, a uma repetição de personagens.
Gloria Pires passou por esse processo, depois de interpretar uma fila de mocinhas no início de carreira. Em 1988, ganhou de Aguinaldo Silva, Gilberto Braga e Leonor Bassères a sua primeira vilã, Maria de Fátima, em Vale Tudo, agora vivida pela atriz Bella Campos, atualmente no ar.
Para esse especial da Globo, a vilã escolhida pela emissora para Gloria reviver no especial de 60 anos foi Raquel, a gêmea má de Mulheres de Areia, de 1993, irmã da doce Rutinha.
A atriz contou sobre como foi se olhar no espelho, mais de três décadas depois, e se ver novamente caracterizada como a ambiciosa personagem, o pesadelo do ingênuo Tonho da Lua (Marcos Frota). “Foi estranhíssimo, esteticamente falando, mas um exercício delicioso de resgatar dentro de mim algo feito há 30 anos”, disse.

Renata Sorrah passou por algo parecido ao de Gloria na carreira. Depois de ter feito personagens complexas e profundas como Carolina Villar, de Roda de Fogo, e Heleninha, em Vale Tudo, e heroínas como Pillar Batista, de Pedra sobre Pedra, e Zenilda, de A Indomada, a atriz pode ir às raias da insanidade com Nazaré Tedesco, de Senhora do Destino, novela de Aguinaldo Silva, exibida em 2000.
A personagem suplantou a mocinha, Maria do Carmo, interpretada por Susana Vieira, e trouxe, naquela altura, uma vilã capaz de matar ou se prostituir para alcançar o que desejava, mesmo que, na maioria das vezes, nada desse certo para ela. Nesse novo encontro para os 60 anos da Globo, Renata contou algo interessante, que mostra a conexão que esse tipo de personagem cria com o público.
“As pessoas gostavam e gostam de imitar (a Nazaré). Tantas vezes me falam: ‘Ah, por favor, tira uma foto como se você estivesse me empurrando da escada’. Foi uma novela incrível, icônica, como se fala agora”, diz a atriz, referindo-se ao hábito de Nazaré de eliminar seus inimigos os empurrando escada abaixo.
Não à toa a atriz usa o adjetivo ‘icônica’, da moda, para definir o atual o sucesso de Nazaré. A personagem, de fato, avançou dos anos 2000 e entrou com sucesso na era dos memes. Em 2016, um gif em que Nazaré aparece confusa ganhou o mundo e foi utilizado para ironizar trechos do debate entre Donald Trump e Hillary Clinton, candidatos à Presidência dos Estados Unidos naquele ano. Até hoje, não é raro ver a peça circulando em publicações nas redes sociais.
Da mesma década de 2010, Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, devolveu ao telespectador de telenovela brasileira o gosto do que havia sido no passado quando uma trama, nos anos 1970 e 1980, literalmente parava o País em torno dela.
Grande parte desse sucesso pode ser contabilizado na conta de Carminha, uma filha direta de Nazaré Tedesco, louca e inconsequente, e igualmente com uma boa dose de azar. Coube a Adriana Esteves personificar a vilã que enganava o bom coração de Tufão (Murilo Benício) e torturava a sofrida Nina/Rita (Débora Falabella).
“Para mim, é muito difícil revisitar essa personagem. Nunca, nesses anos todos, eu coloquei o figurino de Carminha, nunca consegui. E, na hora que estávamos provando o figurino, os grandes figurinistas da novela reproduziram o T do Tufão (que ela carregava no pescoço). Quando eu olhei, senti saudades e fiquei emocionada”, confessou Adriana.

Susana Vieira já era experiente em telenovelas – ela estreou na Globo em 1974 – quando interpretou a ricaça Branca Letícia de Barros Mota, em Por Amor, de 1997. A personagem criada por Manoel Carlos idolatrava o filho Marcelo (Fábio Assunção) e guardava um segredo em relação ao mais novo, Léo (Murilo Benício).
Arrogante, mas espirituosa, versão mais light de Odete Roitman, Branca Letícia deixou frases para a posteridade. Entre elas, “Não perca a classe, nem com a cabeça na guilhotina” e “A pobreza aproxima as pessoas; a riqueza afasta”.
Ficou marcado ainda o penteado de Branca, em tom loiro. Susana, morena atualmente, usou uma peruca para reviver a personagem. “Eu não me reconheci, claro, naquela época meu cabelo era natural, com cachos. Acho que o elenco ajudava muito. Nós, atores, só crescemos quando os colegas ao nosso redor são bons, têm talento e vocação como nós. E o elenco era precioso”, afirmou, ao gravar a comemoração junto a suas colegas de profissão.
“Quando encontrei a Joana Fomm hoje (na gravação), chorei tanto, veio toda aquela emoção de reencontrá-la, nós vivemos muito juntas. Eu não vou dizer que faço parte desta família porque é a família Marinho. A casa é do seu Roberto, mas a alma da TV Globo é de todos nós, de todos que estavam no estúdio hoje e de todo mundo que está neste lugar”, finalizou Susana.

Reprisada por duas vezes no Vale a Pena Ver de Novo, e uma vez no canal Viva, Alma Gêmea, de Walcyr Carrasco, de 2005, consagrou a atriz Flávia Alessandra. Na história ela era Cristina Ávilla Saboya, que fazia de tudo para afastar Serena (Priscila Fantin) do amor de Rafael (Eduardo Moscovis). Flávia fez uma dobradinha com Ana Lúcia Torre, que interpretava sua mãe, Débora. As duas, até hoje, também são fontes de memes e gifs.
“O figurino de Cristina é tão marcante que as pessoas têm na memória ela de vermelho, de roxo… Ela se casando de roxo. Então, para o Show 60 anos, eles resolveram reproduzir literalmente o figurino da cena final na qual ela entra no espelho e aparece como uma figura demoníaca”, entrega Flávia.
Novata entre as vilãs, Letícia Colin, que experimentou o que é ser a impiedosa em uma trama ao dar vida a Vanessa, em Todas as Flores, novela de João Emanuel Carneiro exibida em 2023. “Sou uma pirralha e café com leite total”, brincou, sobre o fato de estar em cena com veteranas no tema.
Embora seja recente, Letícia, que atualmente está no ar na novela das seis, Garota do Momento, afirmou que o figurino e a caracterização propostos pelo especial a ajudou a encontrar a personagem novamente.
“Eu olhei e falei: Caramba, ela tá aqui de novo! Isso é muito forte, são símbolos, e um trabalho fundamental de figurino e maquiagem. Por isso, sou tão fascinada e eu sempre quis ficar me maquiando diante do espelho, brincando com as caras que eu poderia ter e como elas mudavam de corpo com a cor que eu colocava”, conta, sobre o tempo em que ainda sonhava em ser atriz.
Letícia também se disse um tanto quanto insegura de se deparar novamente com Vanessa. “Eu estava com muito medo de vir para cá. Mas, quando me vi no espelho, a Vanessa estava ali. É algo muito mágico.”
Também no ar atualmente em Garota do Momento, Lilia Cabral participa do Show 60 anos como sua personagem atual, Maristela. “Estar aqui ao lado de Nazaré, Raquel, Branca, Cristina, Vanessa, da Perpétua, estar aqui ao lado dessas pessoas, dessas atrizes maravilhosas, é um dia de festa. Porque sempre quando comemoramos, pensamos numa saudação, na beleza da festividade”, diz a atriz.
A direção artística do encontro, assim como do Show 60 anos, é de Antonia Prado. O roteiro do especial das vilãs é assinado por Ricardo Linhares, que esteve, por exemplo, em Tieta, novela na qual Joana Fomm brilhou como Perpétua, e Juan Jullian, que está no time de roteiristas de Dona de Mim, a próxima novela das sete.