Jorge Amado, um dos mais famosos nomes da nossa literatura, escreveu na Vogue sobre esse grande brasileiro da nossa música Esta matéria foi publicada na edição 212 da Vogue Brasil, em 1995.
Entre os múltiplos elitismos que a intelectualidade ávida de poder nos impõe, há um que não consigo realmente aceitar, por me parecer completamente absurdo: aquele que divide a música em erudita e popular. Ou seja, a música maior — mais digna e mais bela —, a erudita, e a música menor — a que nasce do povo e é por ele cantada —, a popular. Música para mim é uma só, única, seja a cantada nos teatros de ópera, por Pavarotti, seja a cantada nas escolas de samba, ou num palco qualquer, por João Gilberto. Não vejo por que uma delas será a maior e a outra a menor.
No meu franco entender, Tom Jobim é o igual de Villa-Lobos — aliás, Villa-Lobos, músico erudito, celebrado, o das Bachianas, não foi menos excelente músico popular. Além do mais, os dois tinham em comum algumas qualidades fundamentais: a condição brasileira, a imaginação transbordante, a força de criação.
Creio impossível alguém ser mais brasileiro do que o foi Tom Jobim. Ele o foi inteiro, do começo ao fim, por fora e por dentro, no riso, na malemolência, na irreverência, na graça, na liberdade de pensar, de dizer e de criar, na forma de viver. Brasileiro no horror aos preconceitos, no carinho para com os bichos e com as coisas, na fala mansa, no arroubo do protesto, no amor à decência.
Saiba mais
Ninguém possuiu mais do que ele, em nosso país de estreiteza e burrices ideológicas, o pensamento mais livre e palavra franca. Pensou pela própria cabeça, quando nós todos ainda pensávamos pela cabeça do comitê central de um partido qualquer. Jamais escondeu ou limitou seu pensamento e não mediu palavras para dizer o que pensava, doesse a quem doesse. Nos ensinou a pensar e a falar.
Por fim, quero me referir à sua capacidade de inventar, ou seja, de recriar a vida, na canção da terra, da floresta e da flor, do rio e da cascata, na mesa do bar, no convívio da amizade. Homem de muitos amigos, foi o amigo de todos os brasileiros, um dos principais, um dos raros mestres.
Tom Jobim nos ensinou o Brasil e o amor. O amor mais profundo e o mais doce, e do corpo se esvaindo em ais, o da saudade com lágrimas nos olhos. Ele nos fez maiores e melhores, mais brilhantes, mais brasileiros.
DEPOIMENTOS:
TOM, UM BRASILEIRO
Fernando Henrique Cardoso
Arquivo Vogue
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO: “Tom Jobim dedicou sua vida e sua obra à beleza e a cantar um Brasil mais feliz. Fui honrado com o apoio público — e o voto — de Tom Jobim à minha candidatura à Presidência da República. Como milhões de brasileiros. Tom também sonhava com um Brasil mais rico, mais justo, mais solidário.”
STING: “Tom Jobim era meu amigo e mentor. Ele era uma fonte de orientações e inspiração. O que aprendi de sua música através dos anos foi inestimável para mim como compositor e letrista. Todos sentiremos muito sua falta.”
NELSON MOTTA: “Tom criou seu estilo a partir do impressionismo de Ravel e Debussy, de suas harmonias ricas e sofisticadas, de Cole Porter e Gershwin, do grande cool jazz americano dos anos 50 e de suas raízes brasileiras, principalmente da obra de Ary Barroso, sua maior influência. O resultado foi música elegante, econômica, leve e suave, absolutamente original, que encantou o mundo e tornou seu nome querido e admirado onde quer que se gostasse de música no planeta.”
Marina Lima
Arquivo Vogue
MARINA LIMA: “Para mim o maior compositor brasileiro. Um homem de mente aberta, cuja musicalidade conquistou a todos. Mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro, mesmo sendo brasileiro, até no nome, soube dar à sua música uma dimensão universal. Com isso, atravessou todos os céus, aproximando as pessoas e fazendo o mundo parecer menor. Seus acordes, melodias e harmonias me influenciaram muito. Compus várias músicas sob o véu do Tom. E regravei um clássico dele, ‘Garota de Ipanema’. Em 1987, tive o privilégio de participar do especial para a televisão 60 Anos de Tom Jobim, onde juntos cantamos ‘Lígia’. Guardo bem na memória a simplicidade daquele homem que, diante de uma cantora tímida e emocionada, fazia brincadeira e contava histórias descontraindo o ambiente. Tudo com uma graça e um charme só comparáveis às musas de suas canções. Um gentleman.”
Gerry Mulligan
Arquivo Vogue
GERRY MULLIGAN: “Caro Tom, nos conhecemos na juventude, acompanhamos os estágios, colhemos os frutos, e a vida passou por nós, agora, meu irmão, é hora de dizer adeus. Por um tempo.”
Oscar Niemeyer
Arquivo Vogue
OSCAR NIEMEYER: “Conheci o Tom antes de chamá-lo, junto com o Vinícius, para conhecer a capital do País e fazer a ‘Sinfonia de Brasília’. Eles ficaram um mês lá. É uma composição muito bonita. Pena que nunca mais a tenha escutado na TV. Não sei se o disco ainda está à venda. Gostei muito de terem dado o seu nome à Vieira Souto. Era um homem muito simples, uma pessoa boa. Como todo mundo deveria ser.”
Gal Costa
Arquivo Vogue
GAL COSTA: “Tom Jobim significa muito na minha formação musical. Fomos sempre amigos, fizemos shows juntos. Era uma relação de afeto e carinho, além da admiração profunda que tinha por ele como homem e como músico. Até hoje, quando penso que ele morreu, tomo um susto. A grandeza da música de Tom é imensurável, como diz bem o Caetano.”
Leila Pinheiro
Arquivo Vogue
LEILA PINHEIRO: “Ele se foi, mas não deixou a música brasileira. Até mesmo o que não fez, mas disse: a consciência brasileira. Foi responsável pela bossa nova, um movimento indescritível. Uma reunião de gênios: Tom, Vinícius e João Gilberto. O Brasil ainda não sabe o que ele deixou. Lá fora ele é reconhecido. Aqui, ainda estamos sob o impacto da perda. Ele sempre será uma fonte certa. Sou filha dele musicalmente. Graças a Deus tive a sorte de poder beber dessa fonte.”
Revistas Newsletter
GILBERTO GIL: “Jobim é um daqueles rios que caem na cabeça da gente e você de repente é eletrizado com alguma coisa. Você passa a receber e transmitir uma energia que não tinha antes. Começa a viver e trabalhar naquela voltagem. Jobim foi um desses choques de alta voltagem que a gente toma na vida. O nome desse choque é labirinto harmônico, a beleza da construção melódico-harmônica só encontrada em Villa-Lobos, mas construída ainda com outra destinação, para o campo clássico. Jobim fez a primeira transposição disso para o campo popular no Brasil. Isso já tinha sido esboçado de outra maneira por Radamés Gnattali, Garoto, e Jobim realiza isso na plenitude, na expressão maior. E, ao realizar nessa plenitude, solariza, acende. Fica raio, fica eletricidade, todo mundo passa a sentir dali em diante, vira vibração. Ele passou isso para a nossa geração e a gente continua a retransmitir.”
Caetano Veloso
Arquivo Vogue
CAETANO VELOSO*: “Eu falava muito em música popular, achava uma coisa interessante, mas não me sentia capaz de fazer parte dos que produziam. E sobretudo quando ouvi ‘Chega de Saudade e outras canções do Tom Jobim, eu me senti mais incapaz, mais longe ainda. Porque a música brasileira tinha ido mais fundo ao adensamento da qualidade da composição. Eu gostava mais e me sentia mais incapaz remotamente de pensar em entrar no páreo. O Tom passou a ser uma pessoa de primeira importância na minha vida.”
ALMIR CHEDIAK: “Já fiquei uma vez três horas e dez minutos no telefone internacional com o Tom. Ele sempre inventava uma desculpa, dizia que ia trocar de telefone e fazia a ligação para mim. Achava que era mais justo dividir a despesa. Uma vez ele me ofereceu dinheiro, porque sabia que eu estava fazendo vários song books ao mesmo tempo. Era uma das pessoas mais desprendidas que conheci. Dos 109 artistas que gravei nos song books, ele é o que tem mais participações: 14. Ele tinha uma humildade incrível. Nunca se coloca num plano superior, embora fosse um divisor de águas. Havia essa coisa de os autores comporem para mostrar ao Tom suas músicas. Compunham pensando no que ele ia achar. Foi um deus da música e, no entanto, extremamente simples.”
Dorival Caymmi
Arquivo Vogue
DORIVAL CAYMMI: “Ficou para mim a lembrança da qualidade humana, a discrição do Tom Jobim em relação ao que fazia. Não falava de si próprio. Mascarava toda resposta com humor. Entre nós havia uma conversa doce, fora do assunto batido da música. Às vezes ele vinha me buscar em casa para uma conversa amiga. Saíamos para dar uma volta naquele carrão branco que ele tinha, um Dodge Dart enorme. Íamos para lugares de natureza, como o Parque da Cidade, a orla marítima. Parávamos no final do Leblon para conversar. Tinha com o Tom uma irmandade, uma camaradagem. Moramos próximos durante uma temporada em Los Angeles, em 1965. Foi ele quem me apresentou ao João Ubaldo Ribeiro. Na música, ele foi aparecendo aos poucos, sempre gostou mais do piano, do estúdio. Aquela divisão do compasso, aquela economia de notas, aquela delicadeza. Ele foi se impondo pela qualidade e pela quantidade. Uma vez entrei na brincadeira de um pedaço de música que ele estava fazendo: ‘Salve Deus, Thiago e Iemanjá’. Ele usou na abertura do ‘Samba do Avião. Mas podia ter feito duas músicas. Ele sempre reservava uma surpresa para o ouvinte. O Tom não era fácil.”
NANA CAYMMI: “O Tom foi a coisa mais importante na minha vida. Tanto a pessoa dele quanto o que ele fazia. Foram 30 e tantos anos de amizade. Gosto de tudo que ele fez. Ele trouxe uma maneira de compor totalmente diferente. Eu não separo as fases dele, essa história de bossa nova. Nem sei quando começou nem como acabou. Eu não rotulo. Para mim, depois do Villa-Lobos, Tom foi o mais importante da música brasileira.”
Dona Zica
Arquivo Vogue
DONA ZICA: “A herança que ele deixou foi muito boa, principalmente para a Mangueira, a quem ele presenteou com a música ‘Piano na Mangueira’. Estamos com saudade do amigo Tom. Ele foi um dos artistas que mais deixaram saudades aqui. Para o Brasil, para o mundo inteiro.”
Chico Buarque
Arquivo Vogue
CHICO BUARQUE*: “Eu não imaginava ser músico profissional, mas acabei sendo em função desse disco, dessa tarde que eu passei ouvindo ‘Chega de Saudade. Eu adorava música, cantava, fazia música para Carnaval, paródia, mas só peguei no violão a partir do ‘Chega de Saudade. Minhas primeiras músicas eram imitando as do Tom Jobim. A música moderna que eu ouvia naquela época era música americana. Elvis Presley, Little Richards. Eu gostava de rock. Apareceu a bossa nova e aquilo era moderno e brasileiro. E tinha a ver com Brasília que era moderna e brasileira. Tinha a ver com o país promissor que parecia nascer.”
WALTER SALLES: “Meu amigo Frans Krajcberg me disse que se alguém entendia de floresta no Brasil, este alguém era Tom Jobim. Tom se inspirou na Mata Atlântica e deu-lhe em troca algumas belas melodias brasileiras de todos os tempos. ‘Visão do Paraíso é a homenagem final do maestro à sua musa. Tom acabou de filmar o especial pouco antes de viajar para Nova York, e o resultado do filme dirigido por Flávio Tambellini é emocionante. É, aliás, uma dupla homenagem, porque Tom fez questão de manter o título do livro de Sérgio Buarque de Hollanda. A apresentação e a narração do programa serão feitas por Fernanda Montenegro.”
*Depoimentos do livro inédito Tons sobre Tomi (Editora Revan), de Tessy Calado, Márcia Cezimbra e Tárik de Souza.
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Entre os múltiplos elitismos que a intelectualidade ávida de poder nos impõe, há um que não consigo realmente aceitar, por me parecer completamente absurdo: aquele que divide a música em erudita e popular. Ou seja, a música maior — mais digna e mais bela —, a erudita, e a música menor — a que nasce do povo e é por ele cantada —, a popular. Música para mim é uma só, única, seja a cantada nos teatros de ópera, por Pavarotti, seja a cantada nas escolas de samba, ou num palco qualquer, por João Gilberto. Não vejo por que uma delas será a maior e a outra a menor.
No meu franco entender, Tom Jobim é o igual de Villa-Lobos — aliás, Villa-Lobos, músico erudito, celebrado, o das Bachianas, não foi menos excelente músico popular. Além do mais, os dois tinham em comum algumas qualidades fundamentais: a condição brasileira, a imaginação transbordante, a força de criação.
Creio impossível alguém ser mais brasileiro do que o foi Tom Jobim. Ele o foi inteiro, do começo ao fim, por fora e por dentro, no riso, na malemolência, na irreverência, na graça, na liberdade de pensar, de dizer e de criar, na forma de viver. Brasileiro no horror aos preconceitos, no carinho para com os bichos e com as coisas, na fala mansa, no arroubo do protesto, no amor à decência.
Saiba mais
Ninguém possuiu mais do que ele, em nosso país de estreiteza e burrices ideológicas, o pensamento mais livre e palavra franca. Pensou pela própria cabeça, quando nós todos ainda pensávamos pela cabeça do comitê central de um partido qualquer. Jamais escondeu ou limitou seu pensamento e não mediu palavras para dizer o que pensava, doesse a quem doesse. Nos ensinou a pensar e a falar.
Por fim, quero me referir à sua capacidade de inventar, ou seja, de recriar a vida, na canção da terra, da floresta e da flor, do rio e da cascata, na mesa do bar, no convívio da amizade. Homem de muitos amigos, foi o amigo de todos os brasileiros, um dos principais, um dos raros mestres.
Tom Jobim nos ensinou o Brasil e o amor. O amor mais profundo e o mais doce, e do corpo se esvaindo em ais, o da saudade com lágrimas nos olhos. Ele nos fez maiores e melhores, mais brilhantes, mais brasileiros.
DEPOIMENTOS:
TOM, UM BRASILEIRO
Fernando Henrique Cardoso
Arquivo Vogue
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO: “Tom Jobim dedicou sua vida e sua obra à beleza e a cantar um Brasil mais feliz. Fui honrado com o apoio público — e o voto — de Tom Jobim à minha candidatura à Presidência da República. Como milhões de brasileiros. Tom também sonhava com um Brasil mais rico, mais justo, mais solidário.”
STING: “Tom Jobim era meu amigo e mentor. Ele era uma fonte de orientações e inspiração. O que aprendi de sua música através dos anos foi inestimável para mim como compositor e letrista. Todos sentiremos muito sua falta.”
NELSON MOTTA: “Tom criou seu estilo a partir do impressionismo de Ravel e Debussy, de suas harmonias ricas e sofisticadas, de Cole Porter e Gershwin, do grande cool jazz americano dos anos 50 e de suas raízes brasileiras, principalmente da obra de Ary Barroso, sua maior influência. O resultado foi música elegante, econômica, leve e suave, absolutamente original, que encantou o mundo e tornou seu nome querido e admirado onde quer que se gostasse de música no planeta.”
Marina Lima
Arquivo Vogue
MARINA LIMA: “Para mim o maior compositor brasileiro. Um homem de mente aberta, cuja musicalidade conquistou a todos. Mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro, mesmo sendo brasileiro, até no nome, soube dar à sua música uma dimensão universal. Com isso, atravessou todos os céus, aproximando as pessoas e fazendo o mundo parecer menor. Seus acordes, melodias e harmonias me influenciaram muito. Compus várias músicas sob o véu do Tom. E regravei um clássico dele, ‘Garota de Ipanema’. Em 1987, tive o privilégio de participar do especial para a televisão 60 Anos de Tom Jobim, onde juntos cantamos ‘Lígia’. Guardo bem na memória a simplicidade daquele homem que, diante de uma cantora tímida e emocionada, fazia brincadeira e contava histórias descontraindo o ambiente. Tudo com uma graça e um charme só comparáveis às musas de suas canções. Um gentleman.”
Gerry Mulligan
Arquivo Vogue
GERRY MULLIGAN: “Caro Tom, nos conhecemos na juventude, acompanhamos os estágios, colhemos os frutos, e a vida passou por nós, agora, meu irmão, é hora de dizer adeus. Por um tempo.”
Oscar Niemeyer
Arquivo Vogue
OSCAR NIEMEYER: “Conheci o Tom antes de chamá-lo, junto com o Vinícius, para conhecer a capital do País e fazer a ‘Sinfonia de Brasília’. Eles ficaram um mês lá. É uma composição muito bonita. Pena que nunca mais a tenha escutado na TV. Não sei se o disco ainda está à venda. Gostei muito de terem dado o seu nome à Vieira Souto. Era um homem muito simples, uma pessoa boa. Como todo mundo deveria ser.”
Gal Costa
Arquivo Vogue
GAL COSTA: “Tom Jobim significa muito na minha formação musical. Fomos sempre amigos, fizemos shows juntos. Era uma relação de afeto e carinho, além da admiração profunda que tinha por ele como homem e como músico. Até hoje, quando penso que ele morreu, tomo um susto. A grandeza da música de Tom é imensurável, como diz bem o Caetano.”
Leila Pinheiro
Arquivo Vogue
LEILA PINHEIRO: “Ele se foi, mas não deixou a música brasileira. Até mesmo o que não fez, mas disse: a consciência brasileira. Foi responsável pela bossa nova, um movimento indescritível. Uma reunião de gênios: Tom, Vinícius e João Gilberto. O Brasil ainda não sabe o que ele deixou. Lá fora ele é reconhecido. Aqui, ainda estamos sob o impacto da perda. Ele sempre será uma fonte certa. Sou filha dele musicalmente. Graças a Deus tive a sorte de poder beber dessa fonte.”
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GILBERTO GIL: “Jobim é um daqueles rios que caem na cabeça da gente e você de repente é eletrizado com alguma coisa. Você passa a receber e transmitir uma energia que não tinha antes. Começa a viver e trabalhar naquela voltagem. Jobim foi um desses choques de alta voltagem que a gente toma na vida. O nome desse choque é labirinto harmônico, a beleza da construção melódico-harmônica só encontrada em Villa-Lobos, mas construída ainda com outra destinação, para o campo clássico. Jobim fez a primeira transposição disso para o campo popular no Brasil. Isso já tinha sido esboçado de outra maneira por Radamés Gnattali, Garoto, e Jobim realiza isso na plenitude, na expressão maior. E, ao realizar nessa plenitude, solariza, acende. Fica raio, fica eletricidade, todo mundo passa a sentir dali em diante, vira vibração. Ele passou isso para a nossa geração e a gente continua a retransmitir.”
Caetano Veloso
Arquivo Vogue
CAETANO VELOSO*: “Eu falava muito em música popular, achava uma coisa interessante, mas não me sentia capaz de fazer parte dos que produziam. E sobretudo quando ouvi ‘Chega de Saudade e outras canções do Tom Jobim, eu me senti mais incapaz, mais longe ainda. Porque a música brasileira tinha ido mais fundo ao adensamento da qualidade da composição. Eu gostava mais e me sentia mais incapaz remotamente de pensar em entrar no páreo. O Tom passou a ser uma pessoa de primeira importância na minha vida.”
ALMIR CHEDIAK: “Já fiquei uma vez três horas e dez minutos no telefone internacional com o Tom. Ele sempre inventava uma desculpa, dizia que ia trocar de telefone e fazia a ligação para mim. Achava que era mais justo dividir a despesa. Uma vez ele me ofereceu dinheiro, porque sabia que eu estava fazendo vários song books ao mesmo tempo. Era uma das pessoas mais desprendidas que conheci. Dos 109 artistas que gravei nos song books, ele é o que tem mais participações: 14. Ele tinha uma humildade incrível. Nunca se coloca num plano superior, embora fosse um divisor de águas. Havia essa coisa de os autores comporem para mostrar ao Tom suas músicas. Compunham pensando no que ele ia achar. Foi um deus da música e, no entanto, extremamente simples.”
Dorival Caymmi
Arquivo Vogue
DORIVAL CAYMMI: “Ficou para mim a lembrança da qualidade humana, a discrição do Tom Jobim em relação ao que fazia. Não falava de si próprio. Mascarava toda resposta com humor. Entre nós havia uma conversa doce, fora do assunto batido da música. Às vezes ele vinha me buscar em casa para uma conversa amiga. Saíamos para dar uma volta naquele carrão branco que ele tinha, um Dodge Dart enorme. Íamos para lugares de natureza, como o Parque da Cidade, a orla marítima. Parávamos no final do Leblon para conversar. Tinha com o Tom uma irmandade, uma camaradagem. Moramos próximos durante uma temporada em Los Angeles, em 1965. Foi ele quem me apresentou ao João Ubaldo Ribeiro. Na música, ele foi aparecendo aos poucos, sempre gostou mais do piano, do estúdio. Aquela divisão do compasso, aquela economia de notas, aquela delicadeza. Ele foi se impondo pela qualidade e pela quantidade. Uma vez entrei na brincadeira de um pedaço de música que ele estava fazendo: ‘Salve Deus, Thiago e Iemanjá’. Ele usou na abertura do ‘Samba do Avião. Mas podia ter feito duas músicas. Ele sempre reservava uma surpresa para o ouvinte. O Tom não era fácil.”
NANA CAYMMI: “O Tom foi a coisa mais importante na minha vida. Tanto a pessoa dele quanto o que ele fazia. Foram 30 e tantos anos de amizade. Gosto de tudo que ele fez. Ele trouxe uma maneira de compor totalmente diferente. Eu não separo as fases dele, essa história de bossa nova. Nem sei quando começou nem como acabou. Eu não rotulo. Para mim, depois do Villa-Lobos, Tom foi o mais importante da música brasileira.”
Dona Zica
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DONA ZICA: “A herança que ele deixou foi muito boa, principalmente para a Mangueira, a quem ele presenteou com a música ‘Piano na Mangueira’. Estamos com saudade do amigo Tom. Ele foi um dos artistas que mais deixaram saudades aqui. Para o Brasil, para o mundo inteiro.”
Chico Buarque
Arquivo Vogue
CHICO BUARQUE*: “Eu não imaginava ser músico profissional, mas acabei sendo em função desse disco, dessa tarde que eu passei ouvindo ‘Chega de Saudade. Eu adorava música, cantava, fazia música para Carnaval, paródia, mas só peguei no violão a partir do ‘Chega de Saudade. Minhas primeiras músicas eram imitando as do Tom Jobim. A música moderna que eu ouvia naquela época era música americana. Elvis Presley, Little Richards. Eu gostava de rock. Apareceu a bossa nova e aquilo era moderno e brasileiro. E tinha a ver com Brasília que era moderna e brasileira. Tinha a ver com o país promissor que parecia nascer.”
WALTER SALLES: “Meu amigo Frans Krajcberg me disse que se alguém entendia de floresta no Brasil, este alguém era Tom Jobim. Tom se inspirou na Mata Atlântica e deu-lhe em troca algumas belas melodias brasileiras de todos os tempos. ‘Visão do Paraíso é a homenagem final do maestro à sua musa. Tom acabou de filmar o especial pouco antes de viajar para Nova York, e o resultado do filme dirigido por Flávio Tambellini é emocionante. É, aliás, uma dupla homenagem, porque Tom fez questão de manter o título do livro de Sérgio Buarque de Hollanda. A apresentação e a narração do programa serão feitas por Fernanda Montenegro.”
*Depoimentos do livro inédito Tons sobre Tomi (Editora Revan), de Tessy Calado, Márcia Cezimbra e Tárik de Souza.
Mais em Globo Condé Nast