“Se eu não fizer essa viagem, acho que ele não vai durar muito tempo”. A frase do apresentador e cineasta sueco Filip Hammar sobre seu pai, Lars, abre o trailer do documentário Uma Última Viagem, em cartaz nas salas de cinema da rede Cinesystem, e exemplifica como ele se sentia desamparado sobre a situação do homem que o criou.
Aos 80 anos, Lars, que já havia sido um professor de francês cheio de energia e amor pela vida, se tornava cada vez mais apático e deprimido. Aposentado das salas de aula, ele passava seus dias sentado, olhando para o nada, e preocupava a mulher e os filhos.
Filip via o pai naquele estado e tentava reanimá-lo, sem sucesso, lembrando dos dias em que Lars estava em sua melhor forma: quando levava a família em uma viagem de carro da pequena cidade onde moram na Suécia até o sul da França. Então, ele teve a ideia: levar o pai em mais uma dessas viagens, para relembrá-lo daquilo que ele mais gostava na vida.
“Para começar, não era um documentário e nem um filme. Era apenas eu”, explica Filip ao Estadão. Na época, ele conversava com a mãe, que dizia que a situação apenas piorava. “Principalmente para [ela], é muito difícil ver alguém que você ama meio que se esvair”. A viagem parecia ser a única solução para o problema, e ficou decidido que ela aconteceria, quisesse Lars ou não.
Filip contou a ideia a Fredrik Wikingsson, seu amigo de longa data e parceiro em empreitadas na TV sueca. Por lá, os dois são conhecidos como uma dupla e já estiveram à frente de programas jornalísticos, de entretenimento, reality shows e de um podcast de sucesso. Uma coisa levou à outra: “Se você faz o que fazemos, tende a, quando fala sobre as coisas, pensar: há uma história aí?”, diz Filip.
Fredrik complementa: “Conheço o pai de Filip há muito tempo e também vi essa decadência, que foi de partir o coração. Mas quando Filip começou a falar sobre essa viagem e talvez ele encontrar um gosto pela vida novamente, meu primeiro pensamento foi: será que isso vai funcionar? E assim que você ouve esse ponto de interrogação em sua cabeça, percebe que pode haver uma história ali.”
Foi assim que os dois decidiram que não só fariam a viagem juntos, como levariam uma pequena equipe que registraria todo o processo. O que sairia de tudo isso eles não tinham tanta certeza, mas, segundo eles, essa é a graça de um documentário: descobrir no caminho.
A escolha de uma equipe mais discreta e de um posicionamento de câmeras estratégico foi feita para não comprometer a experiência de Lars. Filip acredita que o pai esquecia que havia câmeras por perto, já Fredrik acha que a experiência na sala de aula o deixou mais à vontade: “Acho que ele gostava da câmera e de estar no centro das atenções, digamos assim, porque isso lhe foi tirado quando ele se aposentou.”
O resultado foi Uma Última Viagem, um filme de 90 minutos no qual Filip e Fredrik são participantes, roteiristas e diretores. Inesperadamente, ao menos para eles, o longa foi um sucesso enorme – tornou-se o documentário de maior bilheteria da história da Suécia e foi até o representante do País para o Oscar 2025.
Não foi fácil: de início, o pai de Filip se recusava a juntar-se à dupla, como mostram os primeiros minutos do filme. Quando foi convencido, um acidente em um quarto de hotel quase o impediu de viajar. Mas, aos poucos, a viagem foi ganhando forma, com Lars revisitando lugares e pessoas que fizeram parte de alguns dos momentos mais felizes de sua vida.
O filme também retrata como era grande o desespero de Filip para trazer o carisma de seu pai de volta. Ele chega a tentar manipular situações, contratando dois atores franceses para simular uma briga de trânsito ou calculando o tempo exato em que um trem passará para Lars acertar o timing de uma piada.
O acerto do documentário também está no fato de que ele não é apenas sobre Lars, mas também sobre Filip. Ele quer tirar o pai de uma depressão, mas também precisa aceitar o fato de que Lars não é mais o jovem que já foi. A idade vem com limitações, Lars precisa de ajuda para coisas básicas – levantar da cama, beber uma taça de vinho e até para andar.
“Há certos momentos no filme em que eu sou confrontado com a verdade. Ele não vai se tornar o pai que já foi. Não sei se isso foi triste, mas foi só muito estranho emocionalmente”, explica o cineasta. “Mudou meu relacionamento com meu pai. Eu parei de dizer a ele para se animar constantemente. Vou deixá-lo falar sobre suas doenças porque quando ele terminar podemos falar de futebol, porque é disso que mais falamos.”

Essa mudança é difícil para os dois. Em uma das cenas mais emocionantes do filme, Lars diz ao filho: “Espero que você não esteja decepcionado comigo”. Isso foi impactante para Filip: “Essa é uma frase-chave para mim, porque percebi que ele sente que tem que ter um desempenho em um determinado nível como pai. Agora, acho que ele não se sente mais dessa forma. É uma relação mais frutífera e menos forçada.”
Filip e Fredrik estavam receosos quanto à recepção do filme, mas, no fim das contas, é uma história que todos podem se identificar. “Ouvimos muitas histórias de pessoas que viram o filme e levaram seus pais ou avós em viagens, entrando em contato com entes queridos”, conta Fredrik.
“Muitas pessoas sentem que o mundo está desmoronando. Há guerras por toda parte. As florestas tropicais estão desaparecendo. Acho que esse é um filme que trata da base da vida da maioria das pessoas”, completa Filip. “Isso é parte do sucesso. Poucas coisas são tão identificáveis quanto ver seus pais desaparecerem. É difícil para qualquer um.”