
O Fundo Monetário Internacional anunciou um acordo para conceder um novo empréstimo à Argentina. A Argentina já é o maior devedor do FMI, representando cerca de 37% do total de créditos pendentes do Fundo – 31,1 bilhões dos 84,2 bilhões de direitos de saque especiais (o ativo de reserva internacional do FMI, que reflete uma cesta das principais moedas) – e 28% do crédito total aprovado de 110 bilhões.
Em 2018, o FMI aprovou um empréstimo de US$ 57 bilhões à Argentina – o maior da história para um único país -, dos quais quase 45 bilhões foram desembolsados. Mas o financiamento parou depois que o presidente Mauricio Macri perdeu sua candidatura à reeleição em 2019, e o empréstimo agora é amplamente visto como fruto de motivações políticas.
Para piorar a situação, os fundos desembolsados financiaram uma fuga de capitais de cerca de US$ 24 bi por especuladores de carry-trade. O resto foi utilizado para amortizar cerca de US$ 21 bilhões em obrigações soberanas insustentáveis – dívida que teve de ser reestruturada em 2020, altura em que eu me tinha tornado ministro da economia da Argentina.
O FMI reconheceu este fracasso em dezembro de 2021 numa “avaliação ex-post do programa” do seu Acordo Stand-By de 2018 com a Argentina. O Fundo concluiu que faltou regulamentação da conta de capital para evitar a fuga de capitais, bem como uma reestruturação da dívida para evitar que os recursos do FMI fossem utilizados para pagar uma dívida pública insustentável com o setor privado.
Agora, o FMI está lidando com Javier Milei, radical de extrema-direita que se tornou presidente em dezembro de 2023. Desde então, a Argentina tem vivido um ressurgimento maciço da atividade de carry-trade (quando os investidores contraem empréstimos a uma taxa de juro baixa e utilizam as receitas para investir noutra moeda ou ativo que prometa uma taxa de retorno mais elevada).
O fato de o governo de Milei ter utilizado a taxa de câmbio como âncora nominal para conter a inflação produziu uma forte valorização real do peso, o que resultou em retornos muito elevados dos investimentos financeiros em moeda local. Com a expetativa de uma taxa de câmbio oficial estável e de intervenções do governo no mercado paralelo de “blue-chips” (CCL/MEP), os investidores apostaram fortemente em carry trades. Só nos últimos 15 meses, os retornos do carry-trade em dólares americanos atingiram 43%.
Mas esta entrada de capitais não se traduziu num investimento sustentável na economia real, especialmente nos setores transacionáveis. Em vez disso, o dinheiro foi canalizado para a especulação financeira de curto prazo, e agora testemunhamos uma inversão dos mesmos fluxos. O governo de Milei quer o novo empréstimo do FMI para poder intervir nos mercados cambiais e gerir a taxa de câmbio antes das eleições legislativas deste ano.
Ao contrário de 2018, a Argentina tem agora uma lei – aprovada quase por unanimidade por ambas as câmaras do Congresso em 2021 – que exige a aprovação do Congresso para qualquer programa de financiamento do FMI, com o objetivo de evitar que futuros governos contraiam empréstimos maciços em moeda estrangeira e ao abrigo de legislação estrangeira sem a devida supervisão legislativa. Mas o governo de Milei contornou a lei emitindo um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) – o equivalente argentino a um decreto de emergência – para evitar completamente a aprovação do Senado.
Entretanto, o unilateralismo do governo desencadeou uma reação negativa no sistema político argentino. Três senadores enviaram uma carta ao diretor-geral e ao conselho de administração do FMI alertando para o fato de que o desembolso de um empréstimo em condições tão irregulares violaria os próprios critérios de acesso excepcional do FMI – especificamente o critério que exige amplo apoio político e capacidade institucional para a implementação do programa.
Os senadores avisaram que essa violação tornaria o empréstimo ilegítimo, e muitos outros partilham essa preocupação. O ministro das finanças da Argentina chegou a admitir publicamente que a DNU foi emitida para superar a falta de apoio da maioria no Senado, e não para resolver uma emergência genuína. E o governo declarou explicitamente que está pedindo o empréstimo não para apoiar o orçamento, mas para aumentar as reservas cambiais para uso discricionário do banco central.
A própria DNU afirma que parte do novo empréstimo será utilizada para rolar cerca de US$ 14 bilhões da dívida ao FMI que vence entre setembro de 2026 e março de 2029. O financiamento total ao abrigo do novo programa proposto é de US$ 20 bilhões, mas o governo está aparentemente pedindo um desembolso de 75% – US$ 15 bilhões – durante o primeiro ano. Por que razão precisaria de US$ 15 bilhões este ano – sobre os quais a Argentina pagaria juros elevados – se os reembolsos ao FMI não recomeçam até setembro de 2026, e se é esperado que o aumento líquido da dívida ao FMI seja de US$ 6 bilhões? A resposta óbvia é que o governo quer liquidez imediata para financiar intervenções nas taxas de câmbio.
Ao se alinhar a este esquema, o FMI reforçará a percepção de que é politicamente motivado e tornará ainda mais difícil para a Argentina rolar a sua restante dívida externa para os credores privados: Quando um país deve uma grande soma ao FMI – um credor sênior com estatuto preferencial -, outros credores são dissuadidos de conceder crédito, porque sabem que ficariam atrás do FMI na prioridade de reembolso.
Em termos mais gerais, um novo empréstimo do FMI com motivações políticas teria profundas implicações em nível mundial. O FMI poderia acabar ainda mais envolvido na política interna da Argentina para garantir o reembolso. Será que o Fundo quer mesmo ser visto como fazendo campanha a favor do atual governo nas próximas eleições presidenciais? Não é preciso nem dizer que isso prejudicaria gravemente a credibilidade global do Fundo.
E o estrago não pararia aí. Um empréstimo politicamente motivado acrescentaria o risco de default à carteira do FMI, reduzindo a capacidade do órgão de responder a crises noutros locais e pondo em risco sua capacidade de cumprir sua missão principal de ajudar países que enfrentam dificuldades na balança de pagamentos.
Para a Argentina, o futuro parece claro: a certa altura, ficará evidente que um novo empréstimo do FMI não corrigirá a dinâmica da balança corrente – e menos ainda se o empréstimo for mais uma vez usado para financiar a fuga de capitais. As pressões sobre as taxas de câmbio serão ainda maiores do que se o FMI não tivesse ajudado o governo, o que se revelará muito dispendioso para o povo argentino – e para o próprio FMI.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
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