
Antes de indicar que começará a reduzir o ritmo de aumentos na taxa básica de juros, o Banco Central deveria ancorar as expectativas de inflação de longo prazo. Em outras palavras, trazê-las para a meta, de 3% com intervalo de tolerância de 1,5 p.p. para cima ou para baixo. Hoje, os analistas ouvidos pelo Boletim Focus veem um IPCA de 4,48% em 2026 e de 4% em 2027.
A avaliação é de Fabio Kanczuk, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e atual diretor de macroeconomia do ASA. Apesar disso, ele acredita que nesta quarta-feira o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) subirá os juros básicos em 1 ponto percentual, a 12,25% ao ano, e sinalizará que o ritmo de aumentos será menor daqui para a frente, dando início ao processo para pausar o ciclo de alta da Selic.
“Certo ou errado, tenho uma cabeça muito diferente da cabeça do Copom atual. Na minha opinião, e na de outros economistas, é muito difícil controlar a inflação olhando apenas a meta em si, mas há algo que você consegue fazer, que é ancorar as expectativas de inflação de prazo mais longo”, afirma. “E elas estão completamente desancoradas, não estão mais na meta. Eu estou chamando isso de uma ´esculhambation´ total”, brinca.
Kanczuk também observa que a taxa neutra, que não acelera nem desacelera a economia, está bem mais elevada do que aponta o atual modelo usado hoje pelo Copom para estimá-la. Isso, diz, ajuda a explicar porque a economia ainda não perdeu ritmo – o indicador de atividade do BC divulgado nesta segunda mostrou um avanço de 0,9% em fevereiro.
Segundo ele, o modelo original de cálculo da taxa neutra levava em conta nos cálculos o peso da política fiscal na atividade econômica. “Quando a gente considera o lado fiscal, encontramos uma taxa neutra de 8%, e não de 5%, que é quanto o BC está usando”, afirma ele, que foi diretor do BC entre 2019 e 2021.
Confira abaixo a entrevista completa de Kanczuk ao InfoMoney.
InfoMoney: Na reunião desta semana, o Copom deve elevar os juros em 1 ponto percentual, e com isso terminam os aumentos contratados em reuniões anteriores. O que deve acontecer daqui para a frente? Há espaço para foward guidance [quando o BC comunica suas intenções de política monetária no futuro]?
Fabio Kanczuk: Acredito que é muito baixa a chance de o Banco Central dar um foward guidance numérico, indicando que a próxima reunião terá alta de 50 pontos-base [0,5 ponto percentual], ou 75 pontos-base. De qualquer forma, acho que a maior dúvida é se o BC vai tirar da mesa a chance de zero, ou seja, de não fazer nada na próxima reunião, e aí depende muito das palavras que vai usar.
Minha impressão é que o Copom vai simplesmente apontar que o ritmo de aumentos será menor, porque esse Banco Central não gosta muito de foward guidance numérico. Só usaram na transição pela preocupação com uma instabilidade imensa, com o questionamento se o BC na nova gestão iria continuar subindo os juros e que isso poderia levar o mercado a precificar um ritmo de alta dos juros ainda maior, de 125 pontos.
Mas neste momento não há nada muito evidente que o Copom queira evitar, e não será usado porque esse comitê acredita que o mercado não consegue entender direito que o foward guidance não é uma obrigação, apesar de estar escrito muito claramente que não é um compromisso.
IM: Na sua avaliação, quais deveriam ser os próximos passos do Copom?
FK: Certo ou errado, tenho uma cabeça muito diferente da cabeça do Copom atual. Na minha opinião, e na de outros economistas, é muito difícil controlar a inflação olhando apenas a meta em si, mas há algo que você consegue fazer, que é ancorar as expectativas de inflação de prazo mais longo.
Eu acredito que manter as expectativas ancoradas é uma métrica muito melhor do trabalho do Banco Central do que se a meta foi ou não cumprida. Não as de 12 meses, esse é um prazo muito próximo, mas uma expectativa de 24 meses, por exemplo.
Essa ancoragem das expectativas mais longas reduz o custo para a sociedade. No fim, você faz com que a sociedade não tenha o custo de ter essas oscilações, essas incertezas, porque no médio prazo, em dois anos, a expectativa mostra que a inflação vai voltar para o lugar onde deveria estar.
Portanto, a minha avaliação é que as expectativas devem ser levadas muito a sério. E elas estão completamente desancoradas, não estão mais na meta. Eu estou chamando isso de uma “esculhambation” total. Desde 2022 que essa desancoragem começou a acontecer. E isso tem um custo imenso para a sociedade, mas o Banco Central discorda de mim.
Então a minha avaliação é que é ruim que o Banco Central pare de subir os juros. Ele deveria primeiro ancorar as expectativas. Quando cheguei ao Banco Central, havia uma ancoragem já feita pela gestão do Ilan Goldfajn [presidente do Banco Central entre 2016 e 2019], que segurou os juros altos um bom tempo. Era um sofrimento, mas ancoraram as expectativas.
Mas esse BC acredita que isso não é algo tão relevante, e está se preparando para parar de subir juros. Depois de dois, três anos de desancoragem, a única forma de ancorar é ser muito mais duro, deixar claro o que você está disposto a fazer. Porque quando o BC diz que vai perseguir a meta, o mercado já não dá a menor bola. Teria que falar: eu subo o quanto mais for necessário para ancorar.
IM: Sobre a atividade econômica, vimos o quarto trimestre desacelerando mais do que era esperado, mas agora o IBC-Br de fevereiro subiu 0,9%, também mais do que era esperado. Qual sua avaliação sobre a atividade econômica?
FK: Os números mostram um ritmo de crescimento de 1,5%. Isso não é anualizado, se anualizar, dá 6% de crescimento. E não é só agricultura que está crescendo, então parece que a economia está forte, janeiro e fevereiro vieram fortes. E isso cria o questionamento: será que a inflação vai cair?
A desancoragem deveria ser considerada suficiente para a tomada de decisão. Não preciso saber se a atividade econômica está forte ou fraca.
Mas como o BC não considera a ancoragem tão importante, ele deve se preocupar com a atividade econômica mais forte. Será que posso parar mesmo de subir juros? Não acredito que isso será suficiente para fazê-los mudar de ideia de que os juros estão muito altos e que podem dar início ao processo de pausa, mas deve ser um ponto importante na análise do Copom.
IM: Os juros reais estão em 9%, são considerados realmente bastante altos. Não há um risco desse patamar prejudicar excessivamente a economia, já que temos famílias e empresas endividadas?
FK: É duro falar isso, mas quando você sobe os juros, é para fazer desaceleração econômica. Você pode dizer: poxa, mas vai dificultar a vida das empresas e das famílias. Mas sim, é para isso mesmo que o Banco Central sobe os juros. É maldade? Não, não é maldade. É porque, no médio prazo, isso vai ser ótimo para a sociedade. Mas tem um custo no curto prazo. É como um remédio que tomamos para melhorar.
O segundo ponto é sobre se os juros estão altos mesmo. E a questão, o que obtemos aqui, com os modelos que usamos, é que os juros neutros [taxa que não acelera nem desacelera a economia], que são os que precisamos comparar com esses 9% de juros reais, estão em 8%.
É isso que a gente obtém quando considera no modelo dos juros neutros o lado fiscal, uma taxa neutra de 8%, e não de 5%, que é quanto o Banco Central está usando. É por isso que a economia ainda não desacelerou. Na verdade, finalmente está um pouco acima dos juros reais.
Até há pouco tempo os juros estavam abaixo do neutro, e a política monetária estava estimulando a economia, em vez de desestimulando. Então finalmente está um pouco acima.
IM: O modelo de juros neutro que considera o peso do fiscal era usado na sua época como diretor do BC?
FK: Sim, quando eu falo que o juro neutro é cerca de 8%, é a partir do modelo original do Banco Central, da minha época. O Banco Central começou a usar o modelo de forma diferente.
IM: Isso desde quando?
FK: Foi provavelmente a partir de 2022, porque em 2021 eu estava ainda no Banco Central e seguia o modelo. O Banco Central depois parou de divulgar o gráfico de juros neutros que gente colocava no relatório de inflação, e falou: vou escolher os juros neutros por fora do modelo. Manteve em 4,5%, depois demorou um ano e subiu para 4,7%, demorou mais um ano e agora subiu para 5%.
Mas eu rodava o modelo e falava: não, já está em 6%, em 7%, em 8%. É uma escolha. Não sei quem está certo ou quem está errado, não estou criticando.
The post Expectativas de inflação acima da meta são “esculhambation”, diz Kanczuk, do ASA appeared first on InfoMoney.