Primeiro a ser reconhecido como geoparque no Brasil, o local oferece atividades que proporcionam contatos com a natureza e a ciência em território de relevância paleontológica internacional. Conheça o Geopark Araripe, reconhecido pela preservação excepcional de fósseis no Ceará
Na região do Cariri cearense, a cerca de 500 quilômetros de Fortaleza, o Geopark Araripe guarda tesouros que ajudam a contar a história do planeta. Com relevância internacional dos fósseis e formações geológicas de milhões de anos, a região teve o primeiro geoparque reconhecido no Brasil.
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O equipamento foi fundado em 2006 e é aberto para visitação, com uma diversidade de paisagens em uma área total de 3.789 km². Ele abrange os municípios de Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, preservando o potencial turístico, científico e cultural do território.
Da Floresta Petrificada ao Parque dos Pterossauros, o equipamento conta com 11 geossítios catalogados e mais de 50 sítios de interesse. Mirantes, museus, passeios de teleférico, oficinas educativas e trilhas em contato com a natureza fazem parte das atividades e estruturas disponíveis.
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O geoparque do Araripe foi o pioneiro das Américas a receber a chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Atualmente, o Brasil conta com outros cinco geoparques. Com o reconhecimento, veio a missão de preservar o patrimônio material e imaterial por meio de uma gestão sustentável.
Nesta reportagem, o g1 mostra o que é um geoparque e apresenta as características que fazem da região da Bacia do Araripe um lugar único no Ceará e no mundo.
Fósseis, paisagens e cultura
O geossítio Parque dos Pterossauros é um dos locais de escavações paleontológicas na região do Cariri
Geopark Araripe/Divulgação
Lagerstätten. Palavra da língua alemã que significa “lugar de estoque” e é utilizada para designar locais onde há fósseis em condições excepcionais. O termo ajuda a compreender o valor internacional de um dos territórios incluídos no Geopark Araripe.
É o caso do geossítio Pedra Cariri, no município de Nova Olinda. As pedras encontradas formam um tipo de calcário laminado e remontam ao período Cretáceo, com cerca de 100 milhões de anos. O local preservou fósseis de peixes, insetos e plantas com grande riqueza de detalhes.
“O Araripe é reconhecido mundialmente como um dos sítios do período Cretáceo dos mais importantes do mundo. Então, todo o mundo reconhece a relevância dos fósseis do Araripe porque nós temos fósseis em quantidade e qualidade”, destaca Eduardo Guimarães, diretor do Geopark Araripe.
Atualmente, 11 geossítios compõem o geoparque. Como explica o diretor, a chancela da Unesco é concedida às áreas que apresentam pelo menos um geossítio de valor internacional para a ciência, a educação e o turismo.
Diretor do Geopark Araripe explica critérios para o reconhecimento de geoparques e geossítios
Três destes geossítios são considerados de valor internacional. São eles: Pedra Cariri, Parque dos Pterossauros e Floresta Petrificada.
Os geossítios do Geopark Araripe são:
Conheça os geossítios do Geopark Araripe, no Ceará
Louise Anne Dutra/Arte
Pontal da Santa Cruz: Possui ponto de observação panorâmica no topo da Chapada do Araripe, com antiga capela e crucifixo em frente, evidenciando a devoção popular católica da região.
Riacho do Meio: Com altitude entre 450 e 900 metros, possui um parque ecológico no sopé da Chapada, com vista panorâmica, trilhas ecológicas e bicas de água. Na tradição local, a Pedra do Morcego serviu de refúgio aos cangaceiros.
Parque dos Pterossauros: É um dos principais locais de achados de fósseis em todo o Nordeste. Possui vista para uma das áreas mais férteis da Bacia do Araripe e é palco de escavações paleontológicas onde já foram catalogadas mais de 36 espécies de pterossauros.
Pedra Cariri: Situada em uma antiga mina de extração da chamada Pedra Cariri, lavra de calcário utilizada na construção civil. Nesta extração, há um esforço conjunto para coletar os fósseis encontrados nas lavras de calcário.
Ponte de Pedra: Possui uma formação rochosa natural que lembra uma ponte por cima de um riacho, na descida da Chapada do Araripe. Próximo à ponte, há vestígios arqueológicos de populações pré-históricas, com gravuras rupestres e restos de cerâmicas.
Batateiras: Situado no Parque Estadual Sítio Fundão, o geossítio possui a nascente do rio Batateira. Possui trilhas ecológicas e ruínas de engenho de cana-de-açúcar, além de guardar a lenda da ‘Pedra da Batateira’, mito fundante da cidade.
Floresta Petrificada do Cariri: A área de erosão mostra camadas de rochas avermelhadas e fragmentos de troncos petrificados há cerca de 145 milhões de anos, evidenciando um passado em que a região possuía colinas com florestas cortadas por rios, que transportavam os troncos caídos.
Cachoeira de Missão Velha: Possui vestígios da presença de povos indígenas em períodos pré-históricos. A cachoeira tem regiões onde foram encontrados restos de casas de pedra e também teria sido ponto de encontro de cangaceiros.
Colina do Horto: Compreende a estátua do Padre Cícero, o Museu Vivo do Padre Cícero, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Horto, passeio de teleférico e trilha de acesso ao Santo Sepulcro. O geossítio possui as rochas mais antigas da região do Cariri, originadas há cerca de 650 milhões de anos.
Mirante do Caldas: O complexo ambiental conta com mirante, passeio de teleférico, borboletário, percursos ecológicos e centro de interpretação histórica, com território situado em um manancial de águas aos pés da Floresta Nacional do Araripe.
Arajara: O território possui paredões rochosos de até 936 metros, com camadas cruzadas e arenito avermelhado. Pelas trilhas do geossítio, é possível ver o pássaro soldadinho-do-araripe. O lugar também conta com parque aquático, com piscinas, tirolesa e arvorismo.
O gestor explica que os esforços à frente do geoparque são realizados para preservar os patrimônios materiais e imateriais da região, fomentar o desenvolvimento e estabelecer relações com a comunidade do entorno.
🌏 O que é um geoparque?
É uma área geográfica considerada única, contendo sítios e paisagens de relevância geológica internacional. Os locais que são reconhecidos como geoparque possuem importância pelas características que ajudam a contar a história da Terra, com formações geológicas de valor mundial.
Segundo a Unesco, um geoparque é administrado com base em um conceito integral de proteção, educação e desenvolvimento sustentável, envolvendo também as comunidades locais.
🌳 É o mesmo que um parque ou uma unidade de conservação?
Não. Existem unidades diversas para proteção ou manejo dos territórios, como parques, unidades de conservação e reservas ambientais. Estas unidades podem estar dentro do território de um geoparque.
“No Araripe, a gente tem unidades de conservação, a gente tem RPPN [reserva particular do patrimônio natural], a gente tem APA [área de proteção ambiental], parque estadual, parque municipal… O geoparque não se sobrepõe a essas esferas”, explica Eduardo Guimarães.
Desta forma, o geoparque é uma estratégia de gestão territorial sustentável, podendo incluir unidades diversas dentro dele.
📍 Quais são os outros geoparques do Brasil?
Por quase 15 anos, o Geopark Araripe foi o único reconhecido pela Unesco em território brasileiro. Nos últimos três anos, outros cinco territórios ganharam este reconhecimento. São eles:
Geoparque Seridó (2022): Está situado no estado do Rio Grande do Norte, abrangendo os municípios de Cerro Corá, Lagoa Nova, Currais Novos, Acari, Carnaúba dos Dantas e Parelhas.
Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul (2022): Abrange os municípios de Cambará do Sul, Mampituba e Torres, no Rio Grande do Sul, e Praia Grande, Morro Grande, Jacinto Machado e Timbé do Sul, em Santa Catarina.
Geoparque Caçapava (2023): É o único geoparque gaúcho formado por apenas um município, em Caçapava do Sul.
Geoparque Quarta Colônia (2023): Situado no Rio Grande do Sul, inclui os municípios de Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Sêca, São João do Polêsine e Silveira Martins.
Geoparque Uberaba (2024): A cidade mineira foi a primeira do país a ser considerada um geoparque.
Conforme Eduardo Guimarães, que também preside a Rede Brasileira de Geoparques Mundiais da Unesco, há mais de 30 projetos para análise de novos geoparques no país.
Riquezas que encantam o público
Na Chapada do Araripe, o geoparque permite a aproximação com a natureza, a cultura e a ciência
Diego Monteiro/Geopark Araripe/Divulgação
No Geopark Araripe, o contato com a natureza e com a história da vida no planeta é vivenciado de diversas formas. Uma das possibilidades é voltada para a educação. A cada ano, são cerca de 20 mil alunos da educação básica e do ensino superior em visitas ao território.
Outro lugar que atrai uma média de 40 mil visitantes por ano é o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, situado na cidade de Santana do Cariri. O equipamento abriga uma das maiores concentrações de fósseis no mundo.
No museu, os visitantes podem ser guiados por adolescentes da região sobre os conteúdos de paleontologia, história e cultura do Cariri. Esta experiência evidencia a missão de aproximar o geoparque das comunidades das cidades, conforme aponta Eduardo Guimarães, diretor do Geopark Araripe.
Segundo ele, um dos desafios na gestão é mostrar o valor do território para quem mora nele, conseguindo aliados na preservação do patrimônio da região. Outro é proporcionar atividades para os diversos públicos, como em salas de leitura, oficinas educativas e até eventos esportivos, com roteiros de trilhas naturais de longo percurso.
A Trilha do Santo Sepulcro está localizada no geossítio Colina do Horto, em Juazeiro do Norte
Diego Monteiro/Geopark Araripe/Divulgação
A acessibilidade também norteia as ações propostas, com o desenvolvimento de trilhas para pessoas com deficiências, peças de audiodescrição e descrição de vídeos sobre os conteúdos do geoparque para visitantes.
Em 18 anos de atividade, o Geopark Araripe também já ofereceu mais 1,5 mil bolsas de ensino, pesquisa e extensão vinculadas à Universidade Regional do Cariri (Urca), instituição que norteia e executa a administração física e financeira do equipamento.
“Esse é o compromisso com a formação de capital intelectual de alto nível no nosso território porque é isso que vai garantir a sustentabilidade do programa. Isso vai garantir a longevidade da missão do geoparque. Ou seja, a gente forma um capital intelectual que absorve essa missão ao longo das gerações”, comenta o diretor.
Novos geossítios em vista
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto é estudado como um possível novo geossítio no Araripe
Reprodução
Dois novos locais estão em fase de estudos para se tornarem geossítios reconhecidos como parte do equipamento: Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e Santa Fé, ambos na cidade do Crato.
Transformado em parque estadual em 2022, o território Caldeirão da Santa Cruz do Deserto guarda a história de uma experiência comunitária baseada na autogestão e na religiosidade popular liderada pelo beato José Lourenço, entre 1928 e 1937.
Após a morte de Padre Cícero, a comunidade foi bombardeada pelas forças do Exército Brasileiro. Atualmente, centenas de católicos fazem a romaria do Caldeirão da Santa Cruz como forma de resgatar a história e fazer memória às vítimas.
O segundo lugar é o território de Santa Fé, que preserva paredões com inscrições rupestres datadas de até 3 mil anos antes de Cristo.
Para o reconhecimento, é necessária a elaboração de dossiês para análise interna da criação dos novos geossítios. Como explica Eduardo, é preciso avançar nos estudos para garantir que cada território terá uma gestão sustentável e boas condições de visitação.
Um oásis para a pesquisa
Réplica de fóssil raro do dinossauro Santanaraptor, encontrado em Santana do Cariri, em exposição no Museu Nacional.
Y. Félix/ Arquivo Pessoal
Na década de 1990, um dos dinossauros brasileiros mais famosos a nível mundial foi encontrado em escavações na Bacia do Araripe: o Santanaraptor placidus.
Os fósseis do réptil, que viveu na região há cerca de 100 milhões de anos, tinha uma riqueza de detalhes considerada rara. Foi possível analisar, por exemplo, fibras musculares, epiderme e vasos sanguíneos preservados do dinossauro.
A abundância de organismos preservados nas rochas da região também já permitiu encontrar mais de 600 espécies de insetos. Fósseis dos grupos de plantas com flores, que hoje dominam o ambiente terrestre, também são achados com estruturas completas de raiz, caule e frutos.
A qualidade dessa preservação impressiona os pesquisadores. Isso porque na Formação Crato, por exemplo, havia um lago onde os organismos caíam e depois eram soterrados. Com isso, muitos deles não foram expostos à decomposição feita por bactérias e fungos.
Quem explica é Flaviana Lima, paleontóloga e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nascida na cidade cearense de Farias Brito, na região do Cariri, a pesquisadora começou a carreira acadêmica como estudante de Biologia na Urca, sempre desenvolvendo atividades no Geopark Araripe.
A paleontóloga Flaviana Lima faz visitas ao Geopark Araripe com alunos da graduação e pós-graduação
Arquivo pessoal
Como professora também de pós-graduação na Urca, ela orienta alunos que também desenvolvem pesquisas na Bacia do Araripe, com estudos que ajudam a identificar novas espécies de plantas fósseis, por exemplo.
“A região é, de fato, uma janela para o passado. Você consegue olhar para um momento em que as coisas estavam mudando muito rápido por conta das mudanças climáticas daquela época, com os organismos se modificando. Todas estas mudanças estão muito bem preservadas nas rochas”, aponta Flaviana.
Como contextualiza, a Bacia do Araripe foi formada em um processo que levou milhares de anos, entre os períodos Devoniano e Cretáceo. Foi pouco antes do tempo geológico do Cretáceo que o grande continente de Gondwana se fragmentou. Nesse contexto, a região do Araripe estava próxima à separação gradual entre América do Sul e África.
“Nesse contexto, a gente tem ali, ao mesmo tempo, a Bacia do Araripe se formando. O nível do mar subia, depois baixava de novo. Ficavam somente os corpos d’água, os lagos ali fechados, e depois vinha o mar de novo. Então a gente teve essas mudanças ao longo de milhões de anos”, explica a pesquisadora.
Flaviana estava no início da graduação quando o Geopark Araripe foi reconhecido pela Unesco. Nos anos iniciais, ela conheceu os principais cientistas da época em eventos proporcionados pela gestão do equipamento.
Hoje, ela nota uma diferença: ainda nos anos 2000, a maioria dos pesquisadores vinha de fora e levava os fósseis do Cariri de volta para suas instituições. Nos últimos anos, cientistas do Cariri têm unido esforços para que os achados da Bacia do Araripe permaneçam na região, como no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens.
Visita de alunos da UFPE ao Museu de Paleontologia, em Santana do Cariri
Arquivo Pessoal
Esta articulação se relaciona com as discussões sobre repatriação dos fósseis, muitas vezes levados do Brasil ilegalmente para outros países.
Segundo Flaviana, existe uma lógica que precisa ser invertida. Atualmente, ainda há alunos de pós-graduação que precisam viajar para outros países para fazer estudos comparativos de fósseis que são originalmente do Cariri.
Ela aponta também o potencial que o geoparque tem para desenvolver o turismo científico, não apenas para quem já se interessa pelas pesquisas.
“As pessoas se interessam por dinossauros, pterossauros… Tem toda essa mística por trás. Então, a gente sempre costuma dizer que a paleontologia pode ser o caminho para muitas outras coisas. Ela pode ser um ponto inicial para uma criança, por exemplo, se interessar por outras áreas da ciência também”, analisa Flaviana.
Para isso, ela defende que a importância do geoparque seja mais divulgada entre as pessoas do próprio território.
Esforços por um turismo sustentável
Festejos e tradições culturais da região do Cariri fazem parte do patrimônio imaterial a ser preservado
Ítalo Alencar/Geopark Araripe/Divulgação
O Geopark Araripe foi um dos indutores para a criação do curso de Tecnologia em Gestão de Turismo, criado na Urca em 2022. Uma das missões é qualificar as atividades turísticas da região, buscando promover um desenvolvimento sustentável.
Desta forma, as disciplinas se conectam a identidade territorial do Araripe, a preservação dos ecossistemas e as reflexões sobre o patrimônio, como explica o geógrafo e historiador Josier Ferreira, que coordena o curso.
Anualmente, são 40 vagas abertas em processo seletivo na universidade. Os estudantes passam por uma formação tecnológica com duração de três anos.
“A gente sabe que o turismo busca uma dimensão econômica. No entanto, as experiências que se tem é que a terra, o planeta tem um limite. E aí, você tem que atentar para a capacidade de suporte nos lugares onde o turismo reside. Então, os ecossistemas, as condições ambientais e as condições hídricas têm que ser levados em consideração”, pontua Josier.
A proposta também é trazer reflexões críticas e orientações técnicas para uma região que já conta com um turismo espontâneo. Alguns exemplos são as romarias dos devotos de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, os festejos populares e os espaços de contato com a natureza.
De acordo com Josier, um desafio é ir além do turismo científico, qualificando também a visitação voltada para a formação histórica, econômica e cultural dos povoamentos que ajudaram a caracterizar os núcleos urbanos do Cariri.
Dentro da proposta de valorizar o patrimônio imaterial da região, o Geopark Araripe também auxiliou na caracterização dos Museus Orgânicos, que funcionam em casas, oficinas e espaços onde a população pode entrar em contato com os mestres da cultura popular.
Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:
Na região do Cariri cearense, a cerca de 500 quilômetros de Fortaleza, o Geopark Araripe guarda tesouros que ajudam a contar a história do planeta. Com relevância internacional dos fósseis e formações geológicas de milhões de anos, a região teve o primeiro geoparque reconhecido no Brasil.
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O equipamento foi fundado em 2006 e é aberto para visitação, com uma diversidade de paisagens em uma área total de 3.789 km². Ele abrange os municípios de Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, preservando o potencial turístico, científico e cultural do território.
Da Floresta Petrificada ao Parque dos Pterossauros, o equipamento conta com 11 geossítios catalogados e mais de 50 sítios de interesse. Mirantes, museus, passeios de teleférico, oficinas educativas e trilhas em contato com a natureza fazem parte das atividades e estruturas disponíveis.
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O geoparque do Araripe foi o pioneiro das Américas a receber a chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Atualmente, o Brasil conta com outros cinco geoparques. Com o reconhecimento, veio a missão de preservar o patrimônio material e imaterial por meio de uma gestão sustentável.
Nesta reportagem, o g1 mostra o que é um geoparque e apresenta as características que fazem da região da Bacia do Araripe um lugar único no Ceará e no mundo.
Fósseis, paisagens e cultura
O geossítio Parque dos Pterossauros é um dos locais de escavações paleontológicas na região do Cariri
Geopark Araripe/Divulgação
Lagerstätten. Palavra da língua alemã que significa “lugar de estoque” e é utilizada para designar locais onde há fósseis em condições excepcionais. O termo ajuda a compreender o valor internacional de um dos territórios incluídos no Geopark Araripe.
É o caso do geossítio Pedra Cariri, no município de Nova Olinda. As pedras encontradas formam um tipo de calcário laminado e remontam ao período Cretáceo, com cerca de 100 milhões de anos. O local preservou fósseis de peixes, insetos e plantas com grande riqueza de detalhes.
“O Araripe é reconhecido mundialmente como um dos sítios do período Cretáceo dos mais importantes do mundo. Então, todo o mundo reconhece a relevância dos fósseis do Araripe porque nós temos fósseis em quantidade e qualidade”, destaca Eduardo Guimarães, diretor do Geopark Araripe.
Atualmente, 11 geossítios compõem o geoparque. Como explica o diretor, a chancela da Unesco é concedida às áreas que apresentam pelo menos um geossítio de valor internacional para a ciência, a educação e o turismo.
Diretor do Geopark Araripe explica critérios para o reconhecimento de geoparques e geossítios
Três destes geossítios são considerados de valor internacional. São eles: Pedra Cariri, Parque dos Pterossauros e Floresta Petrificada.
Os geossítios do Geopark Araripe são:
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Louise Anne Dutra/Arte
Pontal da Santa Cruz: Possui ponto de observação panorâmica no topo da Chapada do Araripe, com antiga capela e crucifixo em frente, evidenciando a devoção popular católica da região.
Riacho do Meio: Com altitude entre 450 e 900 metros, possui um parque ecológico no sopé da Chapada, com vista panorâmica, trilhas ecológicas e bicas de água. Na tradição local, a Pedra do Morcego serviu de refúgio aos cangaceiros.
Parque dos Pterossauros: É um dos principais locais de achados de fósseis em todo o Nordeste. Possui vista para uma das áreas mais férteis da Bacia do Araripe e é palco de escavações paleontológicas onde já foram catalogadas mais de 36 espécies de pterossauros.
Pedra Cariri: Situada em uma antiga mina de extração da chamada Pedra Cariri, lavra de calcário utilizada na construção civil. Nesta extração, há um esforço conjunto para coletar os fósseis encontrados nas lavras de calcário.
Ponte de Pedra: Possui uma formação rochosa natural que lembra uma ponte por cima de um riacho, na descida da Chapada do Araripe. Próximo à ponte, há vestígios arqueológicos de populações pré-históricas, com gravuras rupestres e restos de cerâmicas.
Batateiras: Situado no Parque Estadual Sítio Fundão, o geossítio possui a nascente do rio Batateira. Possui trilhas ecológicas e ruínas de engenho de cana-de-açúcar, além de guardar a lenda da ‘Pedra da Batateira’, mito fundante da cidade.
Floresta Petrificada do Cariri: A área de erosão mostra camadas de rochas avermelhadas e fragmentos de troncos petrificados há cerca de 145 milhões de anos, evidenciando um passado em que a região possuía colinas com florestas cortadas por rios, que transportavam os troncos caídos.
Cachoeira de Missão Velha: Possui vestígios da presença de povos indígenas em períodos pré-históricos. A cachoeira tem regiões onde foram encontrados restos de casas de pedra e também teria sido ponto de encontro de cangaceiros.
Colina do Horto: Compreende a estátua do Padre Cícero, o Museu Vivo do Padre Cícero, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Horto, passeio de teleférico e trilha de acesso ao Santo Sepulcro. O geossítio possui as rochas mais antigas da região do Cariri, originadas há cerca de 650 milhões de anos.
Mirante do Caldas: O complexo ambiental conta com mirante, passeio de teleférico, borboletário, percursos ecológicos e centro de interpretação histórica, com território situado em um manancial de águas aos pés da Floresta Nacional do Araripe.
Arajara: O território possui paredões rochosos de até 936 metros, com camadas cruzadas e arenito avermelhado. Pelas trilhas do geossítio, é possível ver o pássaro soldadinho-do-araripe. O lugar também conta com parque aquático, com piscinas, tirolesa e arvorismo.
O gestor explica que os esforços à frente do geoparque são realizados para preservar os patrimônios materiais e imateriais da região, fomentar o desenvolvimento e estabelecer relações com a comunidade do entorno.
🌏 O que é um geoparque?
É uma área geográfica considerada única, contendo sítios e paisagens de relevância geológica internacional. Os locais que são reconhecidos como geoparque possuem importância pelas características que ajudam a contar a história da Terra, com formações geológicas de valor mundial.
Segundo a Unesco, um geoparque é administrado com base em um conceito integral de proteção, educação e desenvolvimento sustentável, envolvendo também as comunidades locais.
🌳 É o mesmo que um parque ou uma unidade de conservação?
Não. Existem unidades diversas para proteção ou manejo dos territórios, como parques, unidades de conservação e reservas ambientais. Estas unidades podem estar dentro do território de um geoparque.
“No Araripe, a gente tem unidades de conservação, a gente tem RPPN [reserva particular do patrimônio natural], a gente tem APA [área de proteção ambiental], parque estadual, parque municipal… O geoparque não se sobrepõe a essas esferas”, explica Eduardo Guimarães.
Desta forma, o geoparque é uma estratégia de gestão territorial sustentável, podendo incluir unidades diversas dentro dele.
📍 Quais são os outros geoparques do Brasil?
Por quase 15 anos, o Geopark Araripe foi o único reconhecido pela Unesco em território brasileiro. Nos últimos três anos, outros cinco territórios ganharam este reconhecimento. São eles:
Geoparque Seridó (2022): Está situado no estado do Rio Grande do Norte, abrangendo os municípios de Cerro Corá, Lagoa Nova, Currais Novos, Acari, Carnaúba dos Dantas e Parelhas.
Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul (2022): Abrange os municípios de Cambará do Sul, Mampituba e Torres, no Rio Grande do Sul, e Praia Grande, Morro Grande, Jacinto Machado e Timbé do Sul, em Santa Catarina.
Geoparque Caçapava (2023): É o único geoparque gaúcho formado por apenas um município, em Caçapava do Sul.
Geoparque Quarta Colônia (2023): Situado no Rio Grande do Sul, inclui os municípios de Agudo, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Restinga Sêca, São João do Polêsine e Silveira Martins.
Geoparque Uberaba (2024): A cidade mineira foi a primeira do país a ser considerada um geoparque.
Conforme Eduardo Guimarães, que também preside a Rede Brasileira de Geoparques Mundiais da Unesco, há mais de 30 projetos para análise de novos geoparques no país.
Riquezas que encantam o público
Na Chapada do Araripe, o geoparque permite a aproximação com a natureza, a cultura e a ciência
Diego Monteiro/Geopark Araripe/Divulgação
No Geopark Araripe, o contato com a natureza e com a história da vida no planeta é vivenciado de diversas formas. Uma das possibilidades é voltada para a educação. A cada ano, são cerca de 20 mil alunos da educação básica e do ensino superior em visitas ao território.
Outro lugar que atrai uma média de 40 mil visitantes por ano é o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, situado na cidade de Santana do Cariri. O equipamento abriga uma das maiores concentrações de fósseis no mundo.
No museu, os visitantes podem ser guiados por adolescentes da região sobre os conteúdos de paleontologia, história e cultura do Cariri. Esta experiência evidencia a missão de aproximar o geoparque das comunidades das cidades, conforme aponta Eduardo Guimarães, diretor do Geopark Araripe.
Segundo ele, um dos desafios na gestão é mostrar o valor do território para quem mora nele, conseguindo aliados na preservação do patrimônio da região. Outro é proporcionar atividades para os diversos públicos, como em salas de leitura, oficinas educativas e até eventos esportivos, com roteiros de trilhas naturais de longo percurso.
A Trilha do Santo Sepulcro está localizada no geossítio Colina do Horto, em Juazeiro do Norte
Diego Monteiro/Geopark Araripe/Divulgação
A acessibilidade também norteia as ações propostas, com o desenvolvimento de trilhas para pessoas com deficiências, peças de audiodescrição e descrição de vídeos sobre os conteúdos do geoparque para visitantes.
Em 18 anos de atividade, o Geopark Araripe também já ofereceu mais 1,5 mil bolsas de ensino, pesquisa e extensão vinculadas à Universidade Regional do Cariri (Urca), instituição que norteia e executa a administração física e financeira do equipamento.
“Esse é o compromisso com a formação de capital intelectual de alto nível no nosso território porque é isso que vai garantir a sustentabilidade do programa. Isso vai garantir a longevidade da missão do geoparque. Ou seja, a gente forma um capital intelectual que absorve essa missão ao longo das gerações”, comenta o diretor.
Novos geossítios em vista
Caldeirão da Santa Cruz do Deserto é estudado como um possível novo geossítio no Araripe
Reprodução
Dois novos locais estão em fase de estudos para se tornarem geossítios reconhecidos como parte do equipamento: Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e Santa Fé, ambos na cidade do Crato.
Transformado em parque estadual em 2022, o território Caldeirão da Santa Cruz do Deserto guarda a história de uma experiência comunitária baseada na autogestão e na religiosidade popular liderada pelo beato José Lourenço, entre 1928 e 1937.
Após a morte de Padre Cícero, a comunidade foi bombardeada pelas forças do Exército Brasileiro. Atualmente, centenas de católicos fazem a romaria do Caldeirão da Santa Cruz como forma de resgatar a história e fazer memória às vítimas.
O segundo lugar é o território de Santa Fé, que preserva paredões com inscrições rupestres datadas de até 3 mil anos antes de Cristo.
Para o reconhecimento, é necessária a elaboração de dossiês para análise interna da criação dos novos geossítios. Como explica Eduardo, é preciso avançar nos estudos para garantir que cada território terá uma gestão sustentável e boas condições de visitação.
Um oásis para a pesquisa
Réplica de fóssil raro do dinossauro Santanaraptor, encontrado em Santana do Cariri, em exposição no Museu Nacional.
Y. Félix/ Arquivo Pessoal
Na década de 1990, um dos dinossauros brasileiros mais famosos a nível mundial foi encontrado em escavações na Bacia do Araripe: o Santanaraptor placidus.
Os fósseis do réptil, que viveu na região há cerca de 100 milhões de anos, tinha uma riqueza de detalhes considerada rara. Foi possível analisar, por exemplo, fibras musculares, epiderme e vasos sanguíneos preservados do dinossauro.
A abundância de organismos preservados nas rochas da região também já permitiu encontrar mais de 600 espécies de insetos. Fósseis dos grupos de plantas com flores, que hoje dominam o ambiente terrestre, também são achados com estruturas completas de raiz, caule e frutos.
A qualidade dessa preservação impressiona os pesquisadores. Isso porque na Formação Crato, por exemplo, havia um lago onde os organismos caíam e depois eram soterrados. Com isso, muitos deles não foram expostos à decomposição feita por bactérias e fungos.
Quem explica é Flaviana Lima, paleontóloga e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nascida na cidade cearense de Farias Brito, na região do Cariri, a pesquisadora começou a carreira acadêmica como estudante de Biologia na Urca, sempre desenvolvendo atividades no Geopark Araripe.
A paleontóloga Flaviana Lima faz visitas ao Geopark Araripe com alunos da graduação e pós-graduação
Arquivo pessoal
Como professora também de pós-graduação na Urca, ela orienta alunos que também desenvolvem pesquisas na Bacia do Araripe, com estudos que ajudam a identificar novas espécies de plantas fósseis, por exemplo.
“A região é, de fato, uma janela para o passado. Você consegue olhar para um momento em que as coisas estavam mudando muito rápido por conta das mudanças climáticas daquela época, com os organismos se modificando. Todas estas mudanças estão muito bem preservadas nas rochas”, aponta Flaviana.
Como contextualiza, a Bacia do Araripe foi formada em um processo que levou milhares de anos, entre os períodos Devoniano e Cretáceo. Foi pouco antes do tempo geológico do Cretáceo que o grande continente de Gondwana se fragmentou. Nesse contexto, a região do Araripe estava próxima à separação gradual entre América do Sul e África.
“Nesse contexto, a gente tem ali, ao mesmo tempo, a Bacia do Araripe se formando. O nível do mar subia, depois baixava de novo. Ficavam somente os corpos d’água, os lagos ali fechados, e depois vinha o mar de novo. Então a gente teve essas mudanças ao longo de milhões de anos”, explica a pesquisadora.
Flaviana estava no início da graduação quando o Geopark Araripe foi reconhecido pela Unesco. Nos anos iniciais, ela conheceu os principais cientistas da época em eventos proporcionados pela gestão do equipamento.
Hoje, ela nota uma diferença: ainda nos anos 2000, a maioria dos pesquisadores vinha de fora e levava os fósseis do Cariri de volta para suas instituições. Nos últimos anos, cientistas do Cariri têm unido esforços para que os achados da Bacia do Araripe permaneçam na região, como no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens.
Visita de alunos da UFPE ao Museu de Paleontologia, em Santana do Cariri
Arquivo Pessoal
Esta articulação se relaciona com as discussões sobre repatriação dos fósseis, muitas vezes levados do Brasil ilegalmente para outros países.
Segundo Flaviana, existe uma lógica que precisa ser invertida. Atualmente, ainda há alunos de pós-graduação que precisam viajar para outros países para fazer estudos comparativos de fósseis que são originalmente do Cariri.
Ela aponta também o potencial que o geoparque tem para desenvolver o turismo científico, não apenas para quem já se interessa pelas pesquisas.
“As pessoas se interessam por dinossauros, pterossauros… Tem toda essa mística por trás. Então, a gente sempre costuma dizer que a paleontologia pode ser o caminho para muitas outras coisas. Ela pode ser um ponto inicial para uma criança, por exemplo, se interessar por outras áreas da ciência também”, analisa Flaviana.
Para isso, ela defende que a importância do geoparque seja mais divulgada entre as pessoas do próprio território.
Esforços por um turismo sustentável
Festejos e tradições culturais da região do Cariri fazem parte do patrimônio imaterial a ser preservado
Ítalo Alencar/Geopark Araripe/Divulgação
O Geopark Araripe foi um dos indutores para a criação do curso de Tecnologia em Gestão de Turismo, criado na Urca em 2022. Uma das missões é qualificar as atividades turísticas da região, buscando promover um desenvolvimento sustentável.
Desta forma, as disciplinas se conectam a identidade territorial do Araripe, a preservação dos ecossistemas e as reflexões sobre o patrimônio, como explica o geógrafo e historiador Josier Ferreira, que coordena o curso.
Anualmente, são 40 vagas abertas em processo seletivo na universidade. Os estudantes passam por uma formação tecnológica com duração de três anos.
“A gente sabe que o turismo busca uma dimensão econômica. No entanto, as experiências que se tem é que a terra, o planeta tem um limite. E aí, você tem que atentar para a capacidade de suporte nos lugares onde o turismo reside. Então, os ecossistemas, as condições ambientais e as condições hídricas têm que ser levados em consideração”, pontua Josier.
A proposta também é trazer reflexões críticas e orientações técnicas para uma região que já conta com um turismo espontâneo. Alguns exemplos são as romarias dos devotos de Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, os festejos populares e os espaços de contato com a natureza.
De acordo com Josier, um desafio é ir além do turismo científico, qualificando também a visitação voltada para a formação histórica, econômica e cultural dos povoamentos que ajudaram a caracterizar os núcleos urbanos do Cariri.
Dentro da proposta de valorizar o patrimônio imaterial da região, o Geopark Araripe também auxiliou na caracterização dos Museus Orgânicos, que funcionam em casas, oficinas e espaços onde a população pode entrar em contato com os mestres da cultura popular.
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