Das sagas islandesas do século 13 ao país com o recorde de mais escritores per capita do mundo, a Islândia tem uma forte tradição literária. Um dos marcos dessa intimidade histórica com os livros foi o Nobel de Literatura de 1955, dado a Halldór Laxness (1902-1998) “por seu vívido poder épico que renovou a grande arte narrativa da Islândia”. Agora, essa “ilha desconhecida e remota”, como definiu o escritor ao receber o prêmio, pode ser melhor conhecida no Brasil com a profusão de traduções diretas do original islandês.
Entre elas está o romance Os Peixes Também Sabem Cantar (Zain, 2025), título de Halldór Laxness inédito no País e o primeiro do autor vertido diretamente do islandês para o português brasileiro. Apesar do cenário subpolar e do idioma pouco familiar, a história se aproxima da realidade brasileira à medida que aborda as transformações econômicas e sociais pelas quais a Islândia passou e ainda passa, explicam Francesca Cricelli e Luciano Dutra, parceiros de tradução e de vida que se mudaram recentemente de Reykjavik para São Paulo.
O livro se situa no começo do século 20, período em que a Islândia se livrava do domínio dinamarquês e as estruturas econômicas e sociais da ilha sofriam mudanças rápidas e radicais. Para estudar canto no exterior, Álfgrímur, o protagonista, tem de lidar com o conflito entre a tradição e a modernidade, a sabedoria primordial e as marcas do colonialismo. “E isso é uma constante aqui”, afirma Dutra, citando como exemplo as transformações urbanísticas da capital paulista.
Fomento à tradução
A publicação teve apoio do Icelandic Literature Center, fundo que subsidia custos de traduções de livros e viagens de autores islandeses pelo mundo. Desde 2011, ano em que a Islândia foi homenageada na Feira do Livro de Frankfurt, o evento mais importante do mercado editorial internacional, 13 traduções para o Brasil foram contempladas, sendo mais da metade delas entre 2022 e 2024.
Dessa leva recente saíram Mánasteinn, o Menino que Nunca Existiu (Pontoedita, 2023), tradução de Pedro Monfort do celebrado escritor e compositor Sjón, que em 2017 veio à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), e A Marcação (Fósforo, 2023), da jovem escritora Fríða Ísberg, traduzido por Luciano Dutra.
“(O fomento à tradução) é uma ajuda indispensável para encorajar os editores em um mercado novo como o Brasil a publicar obras tão fora do nosso eixo”, afirma Dutra, que verteu ainda um romance do luso-islandês Pedro Gunnlaugur Garcia e uma coletânea de poemas de Gerður Kristný também em parceria com Francesca Cricelli, a saírem em breve pelas editoras Nós e Aboio, respectivamente.

O apoio à tradução, existente nos países nórdicos em geral, é o que torna possível o surgimento de iniciativas como a editora köttur – gato, em islandês –, atenta à literatura de “cantinhos longínquos”. Inaugurada em 2024 com a coletânea de poesia da Islândia Terra e Candura, a editora prepara dois romances islandeses para este ano, de Jón Kalman Stefánsson e Auður Ava Ólafsdóttir. “Esses institutos são o que possibilita pensar grande”, diz o editor e tradutor Lucas Avelar, que quer publicar livros de países menos populares no mercado editorial brasileiro, com atenção especial aos escandinavos.
Fascinado pela mística da Islândia desde a adolescência, Avelar aprendeu islandês por curiosidade e agora realiza um sonho com a editora köttur. “Ainda que eu possa argumentar que acho que seja uma lacuna do mercado, eu estaria mentindo, porque na verdade a minha intenção é publicar aquilo que eu gosto de ler.”
Terra da poesia
Embora a publicação nos Estados Unidos ainda seja o sonho de muitos autores islandeses, Francesca Cricelli avalia que eles têm começado a olhar para o mercado editorial brasileiro. “A gente tem tentado mostrar para os islandeses que o Brasil é um universo, um país continental, então eles agora começam a ter o desejo de serem traduzidos para o português”, afirma.
Um caminho mais curto de aproximar os dois países é pela poesia. “Na Islândia a poesia tem um apelo muito popular, e acho que no Brasil de hoje também tem, então esse é um lugar de encontro muito forte”, diz a tradutora e poeta, que acaba de ter seu Inventário (Nós, 2024) traduzido na Islândia.
“A poesia talvez seja um atalho em que você expõe o leitor a um universo novo”, concorda Luciano Dutra. Em 2016, ele criou a página no Facebook “Um poema nórdico ao dia”, como o nome sugere, alimentada diariamente com traduções de poesia nórdica para o português. O projeto foi lembrado quando Dutra recebeu em 2023 o prêmio de tradução literária Orðstír, entregue pelo presidente da Islândia a tradutores do islandês. Ele foi o primeiro não europeu premiado.
O tradutor compara o próprio trabalho ao de uma ave migratória que uma vez viajou da Islândia para o Brasil: “De uma certa forma, traduzir poesia é fazer uma polinização do norte para o sul”. Ao mesmo tempo, explica ele, isso gera interesse pela poesia lusófona, que infelizmente não é tão destacada na Islândia. “Mas a gente faz a nossa parte de levar.”