Não existe fórmula pronta ou citação decorada que substitua um repertório original na redação do Enem. Disso, a estudante Anna Beatriz Rebouças sabe bem. Depois de fazer a prova sete vezes, a jovem de 21 anos viveu o sonho de todo candidato: alcançou a nota mil no texto. Para isso, ela construiu um texto bem argumentando, que já começava citando uma das grandes obras da literatura brasileira contemporânea, o livro Torto Arado.
“Eu citei os elementos da cultura afrodescendente, as religiões de matriz africana, tudo isso que é abordado e que não é valorizado no Brasil. Quando eu vi aquele tema senti realmente que deveria articular esse livro”, afirmou Anna em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE no início deste ano.
Torto Arado é ambientado em uma fazenda fictícia na Chapada Diamantina, e acompanha a história das irmãs Bibiana e Belonísia, marcadas por um acidente na infância. Conforme elas crescem, o leitor mergulha no cotidiano da família de trabalhadores rurais, descendentes de escravizados e vítimas de várias violências.
Além do livro de Itamar, Beatriz também citou o advogado Luiz Gama e o escritor Machado de Assis.
Leia a redação completa abaixo:
Na obra literária “Torto Arado”, Itamar Vieira retrata uma comunidade quilombola na Fazenda Água Negra, na Bahia, relatando aspectos socioculturais relevantes para essa população afrodescendente, como os rituais religiosos e os saberes tradicionais passados pelas gerações. Fora da ficção, é nítido que a sociedade brasileira não valoriza a herança africana presente desde a histórica formação nacional. Essa problemática de invisibilidade decorre da mentalidade colonial eurocêntrica, bem como da lacuna educacional no tocante ao resgate da cultura afro-brasileira.
Dado o exposto, pode-se considerar a persistência de ideais eurocêntricos como empecilho para o reconhecimento do vasto legado africano no país, uma vez que tais formas de conhecimento são estigmatizados em detrimento da valorização dos costumes hegemônicos dos colonizadores. Tal questão pode ser verificada sob o conceito de “racismo estrutural” pelo antropólogo Silvio Almeida, em razão da naturalização do racismo em diversas esferas, a exemplo da linguagem e do uso de expressões como “magia negra” para vincular um sentido negativo ao que é negro. Dessa forma, o pensamento de desvalorização da herança africana se materializa no cotidiano, conforme denunciado por Almeida, e distancia a nação do desejo de aprender acerca dos costumes e valores africanos, ao atribuir estereótipos de desqualificação a esses saberes, o que aprofunda o óbice.
Além disso, é notório a falha educacional brasileira no que se refere ao resgate da cultura afro-brasileira, presente em canções, ritmos, festas populares e diversas manifestações importantes para o patrimônio nacional. Nesse viés, embora a Lei de Diretrizes e Base preconize o ensino obrigatório da história africana no ambiente escolar, ainda há uma escassez de programas nesse âmbito, na medida em que observa-se um amplo desconhecimento acerca das grandes personalidades negras ou de suas origens (como o escritor Machado de Assis, muitas vezes representado como branco), bem como heroísmo dos abolicionistas, a exemplo do advogado Luiz Gama. Dessa maneira, elementos culturais, como a literatura negra, são esquecidos por parte da população, o que destoa da proposta memorialística da LDB.
Portanto, é preciso reconhecer e valorizar a herança africana no Brasil. Para isso, o Governo Federal, em parceira com as secretarias estaduais de educação, deve ampliar as campanhas de valorização da cultura africana, sob um viés afrocentrado por meio de votação entre deputados e senadores – responsáveis pela aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) – com a finalidade de combater a visão eurocêntrica presente na sociedade, promovendo o aprendizado da história sob a ótica dos afrodescendentes. Ainda, cabe ao Ministério da Educação, como responsável pela elaboração de políticas públicas de educação, fomentar palestras socioeducativas, ministradas por pedagogos negros, nas instituições escolares, a fim de disseminar o conhecimento acerca do inestimável legado africano na história e na cultura do país. Nessa perspectiva, o panorama diverso destacado em “Torto Arado” será devidamente valorizado pela sociedade brasileira.
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