Por dezenas de milhares de anos, os lobos-terríveis, lobos pré-históricos (Aenocyon dirus) dominavam as selvas e planícies áridas das Américas. Maiores que seus primos modernos (e por isso também chamados de lobos-gigantes), esses canídeos eram especialistas em caçar a megafauna americana – mamutes, preguiças-gigantes, cavalos selvagens e bisões enormes.
Mas, há cerca de 10 mil anos, a espécie foi extinta, provavelmente por fatores como competição com outros caçadores, mudanças climáticas e a presença de humanos – que fizeram muitas de suas presas também sumirem, deixando os carnívoros sem muitas opções de comida.
Os imponentes e poderosos predadores ficaram mais conhecidos recentemente por aparecerem em “Game of Thrones”, como os pets da família Stark.
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Agora, a startup americana Colossal Biosciences anunciou que, pela primeira vez, os lobos-terríveis voltaram a uivar na vida real, ou quase isso. Segundo a empresa, três indivíduos contendo características da espécie foram gerados a partir de DNA encontrado em fósseis de 13 mil e 72 mil anos.
Com o material genético coletado, a equipe fez 20 edições em 14 genes dos lobos-cinzentos modernos, agregando, assim, características de lobos-terríveis nos animais. Depois, criaram embriões a partir dessas células geneticamente modificadas, implantaram os embriões em cachorras que serviram como barrigas de aluguel e esperaram pelos partos.
O processo resultou no nascimento de três indivíduos saudáveis: dois machos que agora estão com seis meses de idade e uma fêmea de dois meses. Os lobos foram chamados de Rômulo e Remo, em referência aos lendários irmãos da mitologia romana que teriam sido criados por uma loba e fundado a cidade de Roma. Já a loba se chama Khaleesi, uma homenagem a personagem Daenerys Targaryen, de Game of Thrones. Isso seria, alega a companhia, o primeiro exemplo de espécie des-extinta da história.
A mesma companhia, Colossal Biosciences, trabalha nesta área há alguns anos e possui o ousado objetivo de trazer animais icônicos, como os mamutes e dos dodôs, de volta da extinção. A startup pipoca com frequência no noticiário: recentemente, por exemplo, por terem criado camundongos com pelagem de mamute.
Apesar de toda a repercussão que os lobinhos causaram, há um certo exagero nesta história: falar que houve “desextinção” da espécie, como a startup anunciou, é mais uma jogada de marketing do que uma afirmação cientificamente precisa. Os animais não são exatamente lobos-terríveis, e sim lobos-cinzentos com algumas características de seus primos extintos. Vamos entender.
Receita de lobo
A ideia de reviver espécies extintas com base em DNA antigos não é nova, mas ganhou forças nos últimos anos após o avanço da ciência – e a Colossal Biosciences é um dos importantes players desta área.
O método da startup é relativamente simples na sua teoria. O primeiro passo é extrair o DNA de uma espécie extinta a partir de fósseis. A segunda etapa é sequenciar o material genético, e a terceira é compará-lo com o DNA do seu parente mais próximo ainda vivo. Com isso, dá para ver exatamente quantos e quais genes diferenciam a espécie.
Por fim, o passo mais importante: editar o material genético da espécie existente para incluir os genes da espécie extinta, fazendo dela uma cópia, ou ao menos uma versão muito parecida, do bicho que existia lá atrás. Daí, é preciso seguir com um processo de clonagem – o mesmo usado na ovelha Dolly, com uma barriga de aluguel para gestar e dar à luz ao organismo geneticamente modificado.
Na prática, a coisa é muito mais complexa. Primeiro porque temos as ferramentas para editar DNA – por exemplo, a chamada Crispr-Cas9, que inclusive rendeu em 2020 o prêmio Nobel para as duas cientistas que o descobriram. Explicamos o método em detalhes aqui, mas pense nele como uma tesoura molecular, capaz de “cortar” fora um gene do DNA e permitir que outro seja colocado em seu lugar.
Mas fazer muitas edições em um mesmo genoma é complicado. Quanto mais mudanças são feitas, maiores as chances de rolar um erro.
E, mesmo que a etapa da edição dê certo, o processo muitas vezes falha na hora da clonagem: muitas gestações com os embriões geneticamente modificados acabam em abortos espontâneos, ou os fetos desenvolvem problemas de saúde fatais que impedem a gravidez de continuar.

Foi por causa disso que as tentativas anteriores da empresa, envolvendo mamutes e dodôs, falharam. Mas os lobos-terríveis foram uma exceção – o campo de pesquisa de clonagem de cães e seus parentes é bem estabelecido entre cientistas, e, por isso, mais “fácil” de ser reproduzido com lobos.
A equipe responsável extraiu o DNA bem preservado de dois fósseis distintos – um dente de 13 mil anos e um crânio de 72 mil anos. Com esse material, conseguiu reconstruir em detalhes o genoma do animal, e também sua história evolutiva.
Antes disso, outros cientistas já haviam estudado esse mesmo tema, claro, mas os detalhes da evolução do lobo-terrível ainda eram nebulosos. A hipótese mais popular era que eles eram mais próximos dos chacais (outra espécie de canídeo moderno) do que dos lobos-cinzentos.
Mas, com base nas novas informações, os cientistas da Colossal anunciaram que o lobo pré-histórico é, de fato, mais parecido com o lobo-cinzento do que dos chacais, compartilhando 99,5% do DNA com seus primos. Nestes 0,5%, porém, há muita coisa: incluindo os genes que fazem dos lobos-terríveis 25% maiores, por exemplo, e com garras e dentes mais adaptados para caçar animais bem grandes.
Com base nisso, a Colossal pegou células de lobos-cinzentos modernos e começou a editá-las para incluir as características dos lobos-terríveis. Ao todo, 15 edições foram feitas com base no DNA da espécie extinta, em genes responsáveis por características como tamanho, musculatura e formato das orelhas dos bichos.
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Outras cinco edições também foram feitas para deixar os lobos mais parecidos visualmente com lobos-terríveis, incluindo na coloração branca do seu pelo, com a diferença que esses genes não foram emprestados dos lobos terríveis – são variantes que ainda existem entre alguns canídeos. Isso porque os genes dos lobos-gigantes que são responsáveis por essa coloração podem causar defeitos congênitos nos lobos modernos, como cegueira ou surdez.
Depois, seguiu-se um processo de clonagem: o material genético foi transferido para óvulos vazios, que foram implantados em barrigas de aluguel em cachorras fêmeas. Três filhotes saudáveis nasceram – Rômulo, Remo e Khaleesi. A Colossal não divulgou o número total de gestações desta etapa.
Os pesquisadores esperaram alguns meses para analisar o crescimento dos animais antes de anunciar o sucesso. Eles estão em um lugar não revelado ao público, e, segundo os cientistas, são cerca de 20% maiores do que os lobos-cinzentos, mas o monitoramento do tamanho vai continuar até que eles atinjam a idade adulta.
Espécie des-extinta?
Apesar de manchetes anunciarem que esta é a primeira espécie que voltou da extinção na história, há alguns exageros.
O ponto principal é que os três lobinhos de fato carregam genes dos lobos-terríveis, mas pode-se afirmar que são lobos-terríveis?
Os bichos possuem 20 edições genéticas em 14 genes distintos, sendo que 15 delas vem diretamente da espécie extinta. Mas o mamífero possui muitos milhares de genes – essas são todas as diferenças entre as duas espécies, ou há mais distinções importantes? Não sabemos.
Pode ser que outros genes e variações existam entre o DNA do lobo-cinzento e do lobo-terrível para além dessas 15. Só dá para saber tendo acesso ao sequenciamento completo do DNA do lobo extinto – algo que a Colossal não divulgou (os cientistas afirmam que ainda publicarão artigos sobre isto).
Por ora, sem essa confirmação, o mais correto seria afirmar que estes animais são lobos-cinzentos com edições genéticas para terem algumas características de lobos-terríveis.
E, mesmo que consideremos os bichos lobos-terríveis autênticos, há outro problema na jogada de marketing: esta não foi a primeira espécie trazida de volta da extinção. Tecnicamente, este título pertence aos íbex-dos-pirenéus, um bovídeo primo das cabras. Extinta oficialmente em 2000, a espécie voltou à vida em 2003, quando um clone da última espécime nasceu… mas, com um defeito fatal nos pulmões, viveu só dez minutos. O íbex-dos-pirenéus, portanto, foi extinto pela segunda vez.
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