
Os resultados financeiros do quarto trimestre de 2024 (4T24) das companhias listadas no Ibovespa confirmaram a perda de tração já sugerida nos balanços anteriores. Segundo análise do Bank of America (BofA), a temporada encerrou com crescimento de 5% nas receitas, queda de 14% no lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) e recuo de 34% no lucro por ação (EPS, na sigla em inglês) em relação ao mesmo período do ano anterior. No trimestre anterior, os números foram mais positivos: +8% em receita, +5% no Ebitda e +2% no EPS.
Boa parte dessa piora veio de setores ligados a energia e materiais, como apontado pelo banco americano. Quando excluídas as empresas de commodities — como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4) — o panorama muda: o índice teve alta de 12% em receita, crescimento modesto de 2% no Ebitda e avanço de 14% no EPS. Mesmo assim, trata-se de uma desaceleração frente ao terceiro trimestre, quando o desempenho foi bem mais expressivo (12%, 30% e 32%, respectivamente).
A fotografia do trimestre, segundo o BofA, revela um empate entre surpresas positivas e negativas. A razão beat/missn (ou surpresas positivas/decepções) ficou em 1,0x, ou seja, metade das empresas superou estimativas e a outra metade ficou aquém. É uma virada em relação ao trimestre anterior, quando o índice mostrava 2,5x, com predominância de resultados acima do esperado. As maiores frustrações vieram de segmentos de utilidades, energia e indústria.
O recuo generalizado nos lucros levou analistas a recalibrar suas projeções para o próximo ano. O consenso para este ano indica que os lucros das empresas domésticas não financeiras devem crescer apenas 6%, contra estimativas de 16% feitas seis meses antes. No setor bancário, a expectativa de crescimento do EPS também foi cortada: de 12% para 9%. Já para 2026, o mercado projeta recuperação mais forte, com lucros subindo 26% nas empresas não financeiras e 11% nos bancos.
Lucro consolidado
A equipe de análise do Banco Safra traçou um diagnóstico parecido. O banco classificou o trimestre como o pior do ano em termos de lucro consolidado. As receitas subiram apenas 1,3%, o Ebitda caiu 3,2% e o lucro líquido recuou 61,1% frente ao 4T23. Sem Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4) no cômputo, os números melhoram: receita 2,2% acima das estimativas e Ebitda praticamente estável (-0,6%), mas o lucro ainda caiu 14,7% abaixo do esperado.
Na comparação anual, mesmo com receita subindo 7,8%, a queda de 5,3% no Ebitda e de 66,9% no lucro líquido mostra que as margens vêm sendo comprimidas. Com as gigantes de commodities fora da conta, o quadro melhora: +13,4% em receita, +10,6% no Ebitda, mas ainda com retração de 21,9% nos lucros. De acordo com o Safra, 9 dos 16 setores analisados apresentaram crescimento do lucro, enquanto 4 fecharam o trimestre com prejuízo.
Os poucos setores que conseguiram entregar resultados mais firmes foram alimentos e bebidas, varejo, incorporadoras, shopping centers, educação e serviços financeiros. Houve variações nos segmentos de bens de capital, utilidades, saúde e tecnologia/mídia/telecomunicações, sem uma direção clara.
Política interna e externa
A conjuntura externa também pressiona, conforme os analistas. O Santander chamou atenção para os desdobramentos da política comercial dos Estados Unidos, após o anúncio de tarifas de 25% sobre carros importados. A expectativa de retaliações e de novas medidas já marca os primeiros meses deste ano. Para o banco espanhol, o auge da deterioração nas projeções de crescimento do PIB norte-americano ainda pode estar por vir.
Esse ambiente tem levado investidores a reavaliar suas alocações. O Santander vê uma rotação gradual dos fluxos de capital saindo das bolsas americanas em direção aos mercados emergentes — inclusive o Brasil. A baixa exposição comercial do país ao mercado dos EUA (apenas 2% do PIB, contra 20% de participação total do comércio externo) pode funcionar como proteção, assim como a proximidade comercial com a China, que pode expandir sua fatia nas exportações brasileiras.
No cenário doméstico, a ata mais recente do Comitê de Política Monetária (Copom) também trouxe um tom mais duro. O Banco Central mantém aberta a possibilidade de interrupção no ciclo de corte de juros, refletindo preocupações com a inflação e os efeitos acumulados da política monetária restritiva. O mercado já considera o pico da taxa Selic em 15,5% como uma hipótese plausível.
Entre os dados domésticos, uma novidade recente foi o lançamento de empréstimos consignados privados, que tiveram forte demanda, mas baixa aprovação. Dos R$ 50 bilhões solicitados, apenas 0,2% foi efetivamente liberado, dado que os bancos ainda não têm acesso ao sistema de garantias do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A expectativa é que esse sistema esteja operacional em cerca de três meses, o que pode liberar uma nova frente de crédito para este ano.
Destaques positivos
Setores ligados ao consumo e serviços mostraram desempenho financeiro mais favorável na comparação anual, especialmente alimentos e bebidas, educação, meios de pagamento, bancos, shopping centers, concessões e construção civil, segundo análise do Safra e do Santander.
O Itaú (ITUB4) encerrou o 4T24 com lucro líquido recorrente de R$ 10,9 bilhões, alta de 16% em relação ao mesmo período do ano anterior. O desempenho superou as estimativas dos analistas do Santander e do consenso da Bloomberg. O retorno sobre o patrimônio líquido (Roae) ficou em 22%. O banco também divulgou projeções para este ano, que indicam lucro anual próximo a R$ 45 bilhões, em linha com o esperado.
No setor de bebidas, a Ambev (ABEV3) registrou avanços apoiados na performance fora do Brasil, com destaque para América Latina e Canadá. Já os frigoríficos, como JBS (JBSS3) e BRF (BRFS3), conseguiram preservar margens em proteínas suína e de frango, enquanto a demanda por carne bovina se manteve aquecida, amenizando pressões nos custos da arroba.
No segmento educacional, empresas como Yduqs (YDUQ3) e Ânima (ANIM3) conseguiram manter custos sob controle, enquanto a Kroton e a Vasta (COGN3), do grupo Cogna, foram beneficiadas pelo crescimento das receitas no ensino a distância e no mercado de negócios para o governo (B2G).
Entre os ativos de infraestrutura, os analistas dizem que a Rumo (RAIL3) surpreendeu positivamente com reajustes tarifários, enquanto a Ecorodovias (ECOR3) obteve ganhos com concessões incorporadas recentemente.
A fabricante de aeronaves Embraer (EMBR3) também superou expectativas. O Ebitda ajustado ficou 18% acima do consenso da Bloomberg e próximo das estimativas dos analistas do banco. As divisões comercial e de defesa apresentaram melhora nas margens. O lucro líquido recorrente foi de US$ 173 milhões, 44% acima do projetado pelo mercado. O fluxo de caixa livre (excluindo a subsidiária Eve) totalizou US$ 676 milhões no ano, acima da faixa previamente comunicada pela companhia.
No varejo físico, o setor de shopping centers se beneficiou do fluxo comercial mais aquecido nos trimestres anteriores, com maior ocupação e um mix mais rentável de lojistas, de acordo com relatório do BofA.
No mercado imobiliário, construtoras voltadas ao segmento popular mantiveram desempenho estável, ao passo que Cyrela (CYRE3) e Lavvi (LAVV3) se destacaram pelo crescimento nas vendas líquidas e expansão do retorno sobre o patrimônio (ROE), com suporte da demanda nas faixas média e alta.
O lucro líquido da Cyrela superou as projeções do Santander e do consenso em 8,8%. A receita líquida cresceu 46,5% no comparativo anual, impulsionada por um desempenho comercial considerado forte ao longo do ano. A margem operacional foi favorecida por maior eficiência nas despesas e resultou em um retorno sobre o patrimônio líquido de 20,9% nos últimos 12 meses, avanço de 7,5 pontos percentuais em relação ao mesmo período de 2023. A geração de caixa somou R$ 61 milhões, frente a R$ 14 milhões no terceiro trimestre, e contribuiu para a redução do endividamento, que caiu para 10,3% do patrimônio líquido.
Destaques negativos
Na outra ponta, os resultados mais fracos vieram de setores com maior exposição a volatilidades externas ou dependência de condições operacionais específicas. O segmento de Óleo e Gás foi penalizado pela queda nas cotações do petróleo e pela performance mais fraca das operadoras independentes.
A Petrobras (PETR4) entregou um lucro aquém do projetado, pressionado pelo desempenho em exploração e produção (E&P) e por investimentos acima das estimativas, o que reduziu o valor dos dividendos. No setor de Energia, o Safra aponta que geradoras enfrentaram restrições operacionais e margens mais estreitas na comercialização.
A área de Saúde também decepcionou: a Hapvida (HAPV3) aumentou provisões acima do previsto, e hospitais viram a ocupação de leitos ficar abaixo do necessário. Já no setor de Distribuição de Combustíveis, bancos como Santander observaram deterioração das margens e preocupações com competição informal, agravando a performance no período.
A Natura (NTCO3) registrou um Ebitda cerca de 30% abaixo das estimativas do Santander e da Bloomberg. A empresa também não apresentou avanços na potencial venda da operação internacional da Avon. O desempenho mais fraco e a saída inesperada de executivos levaram os analistas a rebaixar a recomendação da ação para neutra.
O Nubank (ROXO34) reportou lucro líquido de US$ 553 milhões no trimestre, alta de 53% na comparação anual. Apesar de o resultado ter superado as projeções do Santander, ficou alinhado com o consenso. A carteira de crédito cresceu 13% no trimestre, mas a receita líquida de juros (NII) aumentou apenas 7%, devido à redução da margem financeira (NIM).
Para os analistas, esse movimento do Nubank pode sinalizar uma mudança de percepção entre os investidores, com a empresa deixando de ser vista como um negócio em rápida expansão. A expectativa da companhia é manter o ritmo mais lento nas operações do Pix Finance e acelerar o crédito com garantias, o que deve levar a um crescimento mais moderado no lucro.
A Copasa (CSMG3) decepcionou com um Ebitda ajustado 8,4% abaixo das estimativas. O desempenho operacional foi pressionado por margem bruta inferior ao previsto e custos gerenciáveis ligeiramente acima do esperado. O Santander revisou a recomendação das ações de desempenho superior para neutra. Além da frustração com os resultados, os analistas reduziram as expectativas quanto ao pagamento de dividendos, projetando um payout de 50% para 2025, e enxergam menor probabilidade de avanço no processo de privatização da empresa.
A Vibra Energia (VBBR3) também teve desempenho abaixo do esperado. A margem Ebitda foi de cerca de R$ 124 por metro cúbico, queda de 29% em relação ao trimestre anterior. Houve ainda um leve aumento da dívida líquida, difícil de justificar na leitura dos analistas, e alterações na vice-presidência comercial. O Santander manteve a recomendação neutra, citando o aumento da alavancagem para 2,8 vezes a relação dívida líquida/Ebitda após a aquisição da Comerc.
Os sinais para o 1T25
Mal acabou a divulgação dos resultados do 4T24 e a temporada de resultados do 1T25 já virá a campo na segunda quinzena de abril. O Safra aponta que, embora a sua expectativa para o 1T25 tenha se deteriorado em comparação com a do 4T24, já que projeta menos resultados positivos (50,4% no 4T24 contra 39,7% no 1T25), projeta mais resultados neutros (41,5% no 4T24 contra 47,6% no 1T25) do que negativos (8,1% no 4T24 contra 11,9% no 1T25).
“Surpresas positivas devem diminuir à medida que a economia desacelera, devido a estímulo fiscal menor e taxas de juros mais altas que impactam as famílias e as empresas”, avalia a equipe de análise.
Para o 1T25, a equipe de análise espera resultados positivos para os seguintes setores: (i) Construtoras – com expectativa de continuidade dos bons resultados operacionais no segmento de baixa renda; (ii) Distribuidores de combustíveis – estima melhores perspectivas de lucros apoiadas pela queda nos preços do biodiesel e um aumento nos preços do diesel. Para a Raízen (RAIZ4), também projeta uma redução no impacto do clima seco e dos incêndios florestais; (iii) Shoppings – projeta que uma melhor combinação de lojas e altas taxas de ocupação levará a um crescimento contínuo das vendas em taxas acima da inflação e a uma redução nas despesas imobiliárias, enquanto o IGP-M contribuirá para a expansão da receita nominal; (iv) Varejo de luxo – vê um bom desempenho de vendas nos canais próprios, melhoria nos níveis de estoque minimizando os custos de capital de giro e um aumento na alavancagem operacional.
Já para (v) Petróleo e Gás – espera uma melhoria sequencial nos resultados devido ao aumento dos volumes de produção, principalmente para as empresas menores; (vi) Locação – acredita que o desempenho das empresas de locação de veículos leves será impulsionado pelo aumento das tarifas, tanto no segmento de locação de carros quanto no de locação de frotas, aumentando as margens operacionais. Para a Vamos (VAMO3), acredita que a implementação de projetos com retornos atraentes, incluindo a locação de veículos usados recuperados, combinada com um volume mais normalizado de ativos recuperados, aumentará suas margens operacionais.
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