Uma proteína qualquer, como o colágeno ou a queratina, é uma coisinha estupendamente complicada. Para construi-las, suas células precisam de algo entre 50 e 2.000 peças bioquímicas chamadas aminoácidos, que vêm em 20 tipos (onze produzidos pelo próprio corpo, nove que precisam vir da alimentação).
Os aminoácidos são montados em fila, como contas de um colar, e se apenas um deles estiver fora da ordem, a proteína dá errado. A receita para fabricar cada uma delas – calcula-se que um ser humano precise de 92 mil, ao todo – é armazenada nas moléculas de DNA, que também funcionam como blocos de montar, mas “só” com quatro opções: as moléculas adenina (A), tiamina (T), guanina (G) e citosina (C).
Em suma: moléculas muito complexas precisam interagir de maneiras extremamente improváveis para fazer um naco de carne e osso como você sair andando por aí e tomando decisões. Para determinar se houve vida em Marte no passado, portanto, um passo importante é encontrar resquícios de moléculas orgânicas complexas na superfície do Planeta Vermelho. São as chamadas bioassinaturas.
É isso que o robozinho Curiosity, da Nasa, acaba de fazer. A descoberta foi publicada esta segunda (24) no periódico especializado Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). O jipe aventureiro não encontrou nada tão complexo quanto uma correntinha de aminoácidos, mas coletou fragmentos de ácidos graxos com 10, 11 e até 12 átomos de carbono.
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Ácidos graxos são fundamentais para montar membranas de células, mas também podem ser produzidos de maneira abiótica, por meio de reações químicas que ocorrem em gêiseres e outras fontes naturais de água quente.
Não dá para saber se as amostras em questão vieram ou não de alguma bactéria ancestral, mas o mero fato de que essas moléculas sobrevivem na superfície do Planeta Vermelho é razão de otimismo: sinal de que, apesar da radiação solar brutal que incide por lá, é possível encontrar sinais de vida antiquíssimos.
Caroline Freissinet, líder do estudo, explicou à imprensa que a amostra de rocha veio de uma região de Marte conhecida como Baía de Yellowknife. O local parece ter sido o leito de um lago, algo reforçado pela presença de argila nas amostras.
As moléculas de metano do local usam um tipo de átomo de carbono comum na biologia, e ele também é rico em nitratos, que são nutrientes essenciais para plantas terráqueas. Em suma: tudo ali é promissor para os astrobiólogos – os especialistas em vida extraterrestre hipotética.
“Há evidências de que água líquida existiu na região por milhões de anos e talvez muito mais, o que significa que houve tempo suficiente para a química do surgimento da vida acontecer nesses ambientes de lago-cratera em Marte”, disse em declaração à imprensa Daniel Glavin, co-autor do estudo e especialista em amostras marcianas do Goddard Space Flight Center da Nasa.
Há um limite, é claro, para as descobertas possíveis usando o equipamento da Curiosity na própria superfície do Planeta Vermelho. Em um futuro próximo, uma outra missão, batizada de Perseverance, dará um passo além: trará amostras para a Terra pela primeira vez. Enquanto elas não chegam, leia nossa matéria especial sobre esse novo jipinho neste link.