‘Museu de novidades’ do roteiro inclui canção gravada por Erasmo Carlos em 1970 e samba de Moraes Moreira lançado pela própria cantora em 1981. Simone se solta na estreia carioca de show que marcou a estreia da cantora de 75 anos no Circo Voador, casa carioca de atmosfera jovial
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Simone
Artista: Simone
Data e local: 26 de abril de 2025 no Circo Voador (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ É difícil saber se o novo show de Simone teria mantido a aura de felicidade e a temperatura da estreia carioca no Circo Voador – na noite de sábado, 26 de abril – se tivesse chegado à cidade do Rio de Janeiro (RJ) em casas de shows mais sisudas e habituadas a apresentar espetáculos de ícones da MPB.
Simone já tinha pisado no palco do Circo Voador como convidada de colegas. Mas nunca havia feito um show completo, dela mesma, sob a lona mais pop e quente do Rio.
A rigor, o show Simone – caracterizado oficialmente como novo por ter tido o roteiro bastante modificado com as adições de nove músicas que se tornaram dez com a inclusão do samba Ive Brussel (Jorge Ben Jor, 1979) na estreia carioca – soou como desdobramento do espetáculo anterior Tô voltando (2023), que há dois anos marcou o retorno da artista aos palcos para celebrar 50 anos de carreira iniciada em 1973.
Se as mudanças no roteiro realmente injetaram ar de novidade no show, adornado com cenário inédito de Zé Carratu, a estética do espetáculo resultou similar, até porque a sonoridade arejada da banda formada por músicos jovens é a mesma do show de 2023. E a entrada de Ana Costa (violão, cavaquinho e vocal) na banda manteve a sonoridade inalterada.
Aliás, Ana Costa ganhou generoso espaço como vocalista por dividir com a Cigarra o canto de Encontros e despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981) – música lançada por Simone, mas popularizada de fato a partir da gravação de Maria Rita em 2003 – e por fazer a segunda voz em Iolanda (Pablo Milanés, 1970, em versão em português de Chico Buarque, 1984).
O roteiro poderia ter jogado menos para a galera, sem a necessidade de a cantora apelar ao fim para dois sambas infalíveis de Martinho da Vila, Canta canta, minha gente (1974) e Ex-amor (1981). Até porque, na pista e na arquibancada do Circo Voador, a galera esteve o tempo todo na mão da cantora, que abriu o roteiro com o samba Coisa feita (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emilio, 1982).
Coros espontâneos que repetiam o nome da cantora – “Simone! Simone! Simone!” em vez do recorrente “Sem anistia!” – foram ouvidos ao longo do show, elevando a temperatura da apresentação.
Simone interage com o público do Circo Voador na estreia carioca de show que herda números do espetáculo de 2023
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
A bem da verdade, Simone já se mostrou leve, feliz e jovial no show anterior de 2023. O que aconteceu na noite de 26 de abril é que, no Circo Voador, a leveza, a felicidade e a jovialidade foram amplificadas pela atmosfera sempre envolvente da casa de shows.
Majoritariamente com mais de 50 anos, o público de Simone sentiu o clima e ficou mais solto, o que justificou a artista virar o microfone para a plateia durante o canto de Separação (José Augusto e Paulo Sérgio Valle, 1988), número herdado do show Tô voltando.
Canção de qualidade superior à produção industrializada dos hitmakers dos anos 1980, Separação foi grande sucesso da fase popular da cantora nessa década de 1980 – período em que Simone afrouxou o rigor na seleção do repertório, pagando (ainda hoje) preço alto junto aos críticos, que lhe tiraram o prestígio concedido nos anos 1970, década de álbuns densos como Face a face (1977) e Pedaços (1979).
No ambiente acolhedor do Circo Voador, a densidade das interpretações por vezes se diluiu em nome dessa sintonia permanente entre cantora e público, como evidenciou a lembrança de O que será (À flor da terra) (Chico Buarque, 1976) e como reiterou o canto de Começar de novo (Ivan Lins e Vitor Martins, 1979), outro número herdado do show Tô voltando.
Em roteiro que abriu espaço para músicas do Clube da Esquina no início e no fim do show, Para Lennon e McCartney (Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant, 1970) e Nada será como antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1971), Simone deu voz a vários boleros.
Munida de duas maracas, instrumento de percussão recorrente no gênero, a cantora reviveu Começaria tudo outra vez (Gonzaguinha, 1976) com citação de La puerta (Luis Demetrio, 1958). Aliás, foi em clima sensual de bolero que Simone reacendeu Paixão (Kleiton Ramil, 1981), música gravada pela cantora no álbum Delírios, delícias (1983).
Contribuição de Marcus Preto ao roteiro, Gente aberta (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1970) funcionou bem com Simone no canto e no toque da guitarra. Lembrada há 19 anos pela cantora Silvia Machete, que gravou a então esquecida Gente aberta no álbum Bomb of love (2006), a música é joia do álbum mais cultuado de Erasmo Carlos (1941 – 2023), Carlos, Erasmo… (1971), o mesmo disco que trouxe no repertório a canção É preciso dar um jeito, meu amigo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1971), revitalizada na trilha sonora do filme Ainda estou aqui (2024).
Outra boa lembrança no museu de novidades do roteiro, o samba Pão e poesia (Moraes Moreira e Fausto Nilo, 1981) ressurgiu com arranjo reverente ao registro original do álbum Amar (1981), marco inicial da discografia de Simone na gravadora CBS e da conexão da cantora com o produtor musical Marco Mazzola.
Enfim, Simone debutou no Circo Voador sem deixar de ser Simone – fidelidade perceptível no figurino inteiramente branco e na predominância do azul na luz – com show eficiente, em movimento feliz que prolonga o momento de renascimento experimentado pela cantora desde 2023.
Simone se movimenta com destreza e elegância no palco do Circo Voador na estreia carioca de show de roteiro remodelado
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Simone
Artista: Simone
Data e local: 26 de abril de 2025 no Circo Voador (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ É difícil saber se o novo show de Simone teria mantido a aura de felicidade e a temperatura da estreia carioca no Circo Voador – na noite de sábado, 26 de abril – se tivesse chegado à cidade do Rio de Janeiro (RJ) em casas de shows mais sisudas e habituadas a apresentar espetáculos de ícones da MPB.
Simone já tinha pisado no palco do Circo Voador como convidada de colegas. Mas nunca havia feito um show completo, dela mesma, sob a lona mais pop e quente do Rio.
A rigor, o show Simone – caracterizado oficialmente como novo por ter tido o roteiro bastante modificado com as adições de nove músicas que se tornaram dez com a inclusão do samba Ive Brussel (Jorge Ben Jor, 1979) na estreia carioca – soou como desdobramento do espetáculo anterior Tô voltando (2023), que há dois anos marcou o retorno da artista aos palcos para celebrar 50 anos de carreira iniciada em 1973.
Se as mudanças no roteiro realmente injetaram ar de novidade no show, adornado com cenário inédito de Zé Carratu, a estética do espetáculo resultou similar, até porque a sonoridade arejada da banda formada por músicos jovens é a mesma do show de 2023. E a entrada de Ana Costa (violão, cavaquinho e vocal) na banda manteve a sonoridade inalterada.
Aliás, Ana Costa ganhou generoso espaço como vocalista por dividir com a Cigarra o canto de Encontros e despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981) – música lançada por Simone, mas popularizada de fato a partir da gravação de Maria Rita em 2003 – e por fazer a segunda voz em Iolanda (Pablo Milanés, 1970, em versão em português de Chico Buarque, 1984).
O roteiro poderia ter jogado menos para a galera, sem a necessidade de a cantora apelar ao fim para dois sambas infalíveis de Martinho da Vila, Canta canta, minha gente (1974) e Ex-amor (1981). Até porque, na pista e na arquibancada do Circo Voador, a galera esteve o tempo todo na mão da cantora, que abriu o roteiro com o samba Coisa feita (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emilio, 1982).
Coros espontâneos que repetiam o nome da cantora – “Simone! Simone! Simone!” em vez do recorrente “Sem anistia!” – foram ouvidos ao longo do show, elevando a temperatura da apresentação.
Simone interage com o público do Circo Voador na estreia carioca de show que herda números do espetáculo de 2023
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador
A bem da verdade, Simone já se mostrou leve, feliz e jovial no show anterior de 2023. O que aconteceu na noite de 26 de abril é que, no Circo Voador, a leveza, a felicidade e a jovialidade foram amplificadas pela atmosfera sempre envolvente da casa de shows.
Majoritariamente com mais de 50 anos, o público de Simone sentiu o clima e ficou mais solto, o que justificou a artista virar o microfone para a plateia durante o canto de Separação (José Augusto e Paulo Sérgio Valle, 1988), número herdado do show Tô voltando.
Canção de qualidade superior à produção industrializada dos hitmakers dos anos 1980, Separação foi grande sucesso da fase popular da cantora nessa década de 1980 – período em que Simone afrouxou o rigor na seleção do repertório, pagando (ainda hoje) preço alto junto aos críticos, que lhe tiraram o prestígio concedido nos anos 1970, década de álbuns densos como Face a face (1977) e Pedaços (1979).
No ambiente acolhedor do Circo Voador, a densidade das interpretações por vezes se diluiu em nome dessa sintonia permanente entre cantora e público, como evidenciou a lembrança de O que será (À flor da terra) (Chico Buarque, 1976) e como reiterou o canto de Começar de novo (Ivan Lins e Vitor Martins, 1979), outro número herdado do show Tô voltando.
Em roteiro que abriu espaço para músicas do Clube da Esquina no início e no fim do show, Para Lennon e McCartney (Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant, 1970) e Nada será como antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1971), Simone deu voz a vários boleros.
Munida de duas maracas, instrumento de percussão recorrente no gênero, a cantora reviveu Começaria tudo outra vez (Gonzaguinha, 1976) com citação de La puerta (Luis Demetrio, 1958). Aliás, foi em clima sensual de bolero que Simone reacendeu Paixão (Kleiton Ramil, 1981), música gravada pela cantora no álbum Delírios, delícias (1983).
Contribuição de Marcus Preto ao roteiro, Gente aberta (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1970) funcionou bem com Simone no canto e no toque da guitarra. Lembrada há 19 anos pela cantora Silvia Machete, que gravou a então esquecida Gente aberta no álbum Bomb of love (2006), a música é joia do álbum mais cultuado de Erasmo Carlos (1941 – 2023), Carlos, Erasmo… (1971), o mesmo disco que trouxe no repertório a canção É preciso dar um jeito, meu amigo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1971), revitalizada na trilha sonora do filme Ainda estou aqui (2024).
Outra boa lembrança no museu de novidades do roteiro, o samba Pão e poesia (Moraes Moreira e Fausto Nilo, 1981) ressurgiu com arranjo reverente ao registro original do álbum Amar (1981), marco inicial da discografia de Simone na gravadora CBS e da conexão da cantora com o produtor musical Marco Mazzola.
Enfim, Simone debutou no Circo Voador sem deixar de ser Simone – fidelidade perceptível no figurino inteiramente branco e na predominância do azul na luz – com show eficiente, em movimento feliz que prolonga o momento de renascimento experimentado pela cantora desde 2023.
Simone se movimenta com destreza e elegância no palco do Circo Voador na estreia carioca de show de roteiro remodelado
Michelle Castilho / Divulgação Circo Voador