
O sonho é sedutor: transformar talento em negócio, opinião em audiência, rotina em conteúdo. Trabalhar de onde quiser, ser seu próprio chefe, viver da criatividade. Essa é a narrativa vendida pela chamada creator economy, que hoje movimenta centenas de bilhões de dólares no mundo. Mas, ao olhar os dados de perto, o que se revela é menos utópico e mais inquietante. A economia dos criadores pode não estar libertando você; pode estar vendendo liberdade enquanto te prende ao feed.
362 milhões de criadores no mundo. Quantos conseguem viver disso?
De acordo com o relatório “The Creator Revolution”, existem cerca de 362 milhões de criadores de conteúdo nos 20 países analisados. No Brasil, são aproximadamente 10 milhões de pessoas que, em maior ou menor grau, produzem conteúdo original para redes sociais. Estamos falando de 1 em cada 20 brasileiros.
Parece empolgante — até lembrar de um dado central: menos de 4% vivem exclusivamente da sua atividade como criadores. A maioria trabalha de graça ou por centenas de reais, competindo por atenção num mercado saturado, e principalmente, sob pressão das plataformas. O que parece uma revolução democrática da criatividade talvez seja só a maior base de freelancers não pagos do planeta.
O impacto econômico é significativo. Nos Estados Unidos, os criadores geram US$ 29 bilhões em impacto direto. Globalmente, esse número salta para US$ 368 bilhões, o que equivale ao PIB de países como Hong Kong ou África do Sul. Mas há um detalhe: a maior parte dessa riqueza não fica com os criadores — e sim com as plataformas que intermediam o jogo.
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A falácia do “influencer milionário”
Se você ainda acha que ser creator é caminho certo para fama e fortuna, talvez seja hora de ajustar o foco. Os dados mostram que:
- Menos de 1% dos criadores têm 1 milhão ou mais de seguidores.
- Mais de 75% têm menos de 10 mil seguidores.
- Mais de 60% têm menos de 5 mil seguidores.
Ou seja: a economia dos criadores não é feita de superstars, mas de milhões de pessoas disputando atenção num sistema que é pouco transparente em relação a entrega de conteúdo e contagem de visualizações.
E, mesmo entre aqueles que têm seguidores, monetizar é outro desafio. No Brasil, por exemplo, apenas 0,54% dos criadores ganham mais de R$ 100 mil por mês, enquanto 31,44% estão entre R$ 2 mil e R$ 5 mil. Cerca de 6% dos influenciadores recebem mais de R$ 20 mil reais por mês, um funil bastante achatado na extremidade do sucesso financeiro.
Livre? Só até onde o algoritmo permitir
A creator economy tende a vender liberdade: “Não dependa de chefe. Crie sua própria audiência.” Mas a realidade é que o chefe mudou de nome. Agora se chama algoritmo — e ele é volátil, imprevisível e inegociável.
63% dos criadores em tempo integral relatam burnout no intervalo de 12 meses, e não é difícil entender por quê. O trabalho não para, a performance é medida a cada post, e a relevância é uma montanha-russa que não perdoa silêncio, férias ou baixa produtividade. Criadores estão presos a uma esteira rolante de produção, sem contrato, sem garantia, sem proteção. E se você não produz, o algoritmo diminui o engajamento, criando uma espiral de produção e redefinindo o conceito de relevância, onde ser relevante é estar presente.
Além disso, o que é considerado “criativo” é moldado pela lógica da viralização. Conteúdos mais autorais, densos ou fora do padrão tendem a ser penalizados. A liberdade criativa existe, sim — desde que se encaixe nas regras não escritas do feed.
A marca sou eu
A pesquisa citada acima mostra que os criadores vêm de faixas etárias e contextos diversos:
- 16% são adolescentes.
- Mais de 40% têm entre 20 e 34 anos.
- 21% têm entre 35 e 44 anos.
- Quase 10% têm 55 anos ou mais.
O que os une? A necessidade de se tornarem marcas de si mesmos. O criador hoje precisa dominar storytelling, marketing pessoal, edição de vídeo, negociação de contratos, análise de dados e gerenciamento de comunidade. Criar conteúdo virou apenas mais uma das atribuições — e, muitas vezes, a que menos toma tempo.
Enquanto isso, marcas tentam parecer pessoas: criam tom de voz, personalidade e engajamento. É uma espécie de inversão: as pessoas tentam parecer empresas; as empresas, gente como a gente.
Marcas humanizam seus posts, humanos corporificam suas marcas. O resultado: pessoas tentando parecer empresas, e empresas tentando parecer pessoas.
E agora?
Nada disso é uma crítica ao criador. Pelo contrário: é uma tentativa de devolver a ele o protagonismo real. A creator economy não precisa desaparecer — e claramente não irá, pois se consolida a cada dia mais, mas precisa amadurecer de dentro para fora, não mais de fora para dentro.
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