A coisa da ilustração aí em cima não é um pássaro. Nem um avião – embora pareça. É um ecranoplano, uma engenhoca digna dos Jetsons desenvolvida pelas forças armadas soviéticas durante a Guerra Fria para servir como meio de transporte nas águas dos mares Negro e Báltico e nas planícies geladas da Sibéria.
Se uma avião comum é uma ave migratória, um ecranoplano está mais para uma… galinha. Essas geringonças são projetadas para voar o mais perto possível do chão (ou da superfície de lagos e oceanos, que são o habitat original da tecnologia). Algo entre 5 m e 15 m de altitude, sempre abaixo dos radares inimigos.
Para isso, usam um fenômeno físico chamado efeito solo (em inglês, inclusive, eles são conhecidos como ground effect vehicles, ou simplesmente GEVs).
Normalmente, vórtices de ar se formam nas extremidades das asas dos aviões e pioram o arrasto – nome que se dá a qualquer força que se opõe ao movimento de um avião. Quando uma aeronave está decolando ou pousando, porém, esses turbilhões se amenizam, e os pilotos relatam a sensação de estarem apoiados em um “colchão” de ar.
A ideia de um ecranoplano é voar sempre baixinho, para explorar ao máximo essa redução de arrasto. Isso permite que essas traquitanas tenham asas menores e carreguem mais peso. (Não é a mesma coisa que um hovercraft, que assopra o ar para baixo para criar um colchão artificial em vez de usar o fenômeno que ocorre naturalmente.)
O mais célebre dos ecranoplanos foi também o maior: o Korabl Maket (KM), vulgo Monstro do Mar Cáspio – um trocadilho entre o grande lago russo de água salgada onde ele era testado e a lenda de Ness, o monstrinho escocês pescoçudo que supostamente se esconde em um lago homônimo.
O batismo é crédito dos espiões americanos que descobriram o KM em imagens de satélite.
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O dito-cujo tinha 92 m de comprimento, 37,6 m de envergadura e saía do chão com um peso total de incríveis 544 toneladas (vazio, pesava “só” 240 toneladas). Com seus dez motores turbojato Dobrynin RD-7 – os mais potentes disponíveis na URSS na época – atingia 400 km/h em velocidade de cruzeiro e passava dos 600 km/h em testes.
O objetivo era usá-lo para levar suprimentos, tropas e equipamentos pesados como tanques de guerra por cima de grandes corpos d’água. Alguns ecranoplanos conseguiam alçar vôo normalmente após alcançar uma certa velocidade, outros se mantinham sempre ao rés do chão.
Entre seu primeiro vôo, em 1966, e sua destruição em um acidente, em 1980, o KM deteve o título de maior veículo mais pesado que o ar. Ele só seria superado em 1988 pelo Antonov An-225 Mriya, o maior avião já fabricado, cujo único exemplar foi destruído em 2022, nos primeiro dias da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Por duas vezes seguidas, os russos destruíram o maior avião do mundo.
O KM nunca entrou em produção. Após o acidente que cortou suas asas, causado por um erro do piloto, os destroços acabaram abandonados no fundo do mar Cáspio. Já havia protótipos mais avançados na época. Um ecranoplano bem menor, o A-90 Orlyonok, entrou em produção em 1979, mas foram fabricadas apenas quatro unidades.
O mais impressionante dos ecranoplanos foi o classe Lun, ilustrado na imagem que abre este post e mostrado na foto abaixo. Equipado com seis mísseis e oito turbinas, foi mantido em operação até a década de 1990. Esse cão ladrava bem mais do que mordia: voava tão baixo que só podia operar em dias de mar calmo. A guerra, claro, não vê a previsão do tempo.