
Ari Emanuel venceu. Com apoio da Apollo e da RedBird, o executivo levou os ativos de tênis da Endeavor — incluindo o Miami Open e o Madrid Open — por mais de US$ 1 bilhão, superando a proposta da CVC Capital.
A notícia revelada pela Bloomberg às vésperas do Masters 1000 em Madrid, reafirma uma verdade desconfortável: o tênis continua sendo um esporte global sem um negócio de mídia à altura. Ou, como escreveu o The Athletic no início deste mês, nutre de uma relação instável com o setor.
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Na longa reportagem em que expõe o abismo entre a popularidade do jogo e sua fragilidade comercial, Charlie Eccleshare resume o cenário como um “caos fragmentado” — em que o fã médio mal sabe onde assistir aos principais torneios.
Não é falta de audiência, mas de produto. E, agora, a venda da Endeavor escancara esse buraco.
Eccleshare explica como a distribuição do tênis se dilui entre plataformas. Um Grand Slam pode estar em canais fechados tradicionais. Para os torneios ATP e WTA 1000, o fã recorre ao Tennis Channel. Ou, se quiser apenas o circuito masculino, assina o Tennis TV, serviço de streaming da ATP Media.
Enquanto isso, a WTA mantém o WTA TV — que sequer opera nos Estados Unidos.
Para ver os melhores momentos, o caminho é YouTube e mídias sociais. Mas os destaques que inundam os feeds da Geração Z não podem ser usados diretamente pelos atletas. Reaproveitar os conteúdos remixados pelos fãs? Também não.
Essa tensão entre conteúdo oficial e não oficial — e como os direitos e acordos são feitos para decidir as respectivas naturezas de cada um deles — estão no centro do futuro do tênis, sugere o The Athletic.
Nos bastidores, a ATP tentou responder a esse cenário.
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Lançado em 2022, o plano OneVision previa consolidar os direitos audiovisuais sob a ATP Media, alavancar dados com a Tennis Data Innovation e posicionar o tênis como um produto competitivo no mercado global de entretenimento.
Em parte, funcionou. A entidade triplicou a receita de patrocínios e estruturou um negócio robusto de dados. Mas o braço de mídia segue frágil. Em 2023, a ATP Media teria gerado US$ 200 milhões — cerca de um quarto do que o PGA Tour (golfe) levantou com direitos em 2022, segundo o JohnWallStreet.
Mesmo com uma base de mais de um bilhão de seguidores no mundo, o tênis patina para se comportar como um ativo de mídia moderno.
Overtime e o esforço de falar com a Gen Z
A parceria recente com a Overtime é o mais novo experimento.
Durante o ATP de Monte Carlo na semana passada, bastidores e histórias descontraídas foram publicados no canal da plataforma digital, que fala diretamente com a Gen Z e alcança 110 milhões de fãs esportivos globalmente.
Massimo Calvelli, CEO da ATP, chamou a colaboração de “o pão e a manteiga”, apesar de reconhecer os obstáculos para tornar o tênis mais social-first:
“A transição do linear para o digital não é fácil de quebrar.”
A iniciativa é uma resposta ao consumo passivo, à experiência desconectada e à pulverização dos direitos. E expõe, ao mesmo tempo, a timidez das iniciativas históricas no esporte.
O modelo Endeavor e o recado da sua saída
A estrutura do tênis — fragmentada entre Grand Slams, ATP, WTA, ITF e promotores locais — impõe limites severos à construção de um ecossistema coerente de conteúdo multiplataforma.
É nesse ponto que a venda pela Endeavor ganha outro peso.
Após anos tentando integrar talentos, eventos e mídia, a holding decidiu sair do tênis justamente no momento em que se reestrutura com a Silver Lake e abandona oficialmente o nome Endeavor.
A nova configuração cria dois blocos estratégicos.
De um lado, o WME Group, que reúne talentos, publicidade e licenciamento. De outro, o TKO Group, com UFC, WWE, PBR e a On Location.
O tênis ficou fora. E o recado é claro: o esporte não se comporta como entretenimento de alto giro, nem como ativo proprietário com escala narrativa.
O UFC é o oposto. Tem um storytelling contínuo, distribuição global, controle do inventário e recorrência. É um produto fechado, feito sob medida para o consumo multiplataforma.
O tênis, por enquanto, não entrega os mesmo requisitos.
Mais do que simbólica, a venda mostra que o esporte ainda não encontrou uma função estratégica na nova lógica da mídia esportiva.
Falta de visão centrada no fã é o problema real
A dissolução dos direitos é só um sintoma. O problema central é de mentalidade.
Por décadas, o tênis foi governado por um tripé formado por atletas, promotores e patrocinadores. Essa estrutura marginalizou o desenvolvimento de um modelo centrado no fã, orientado a dados e sensível à cultura digital.
E neste momento, plataformas, investidores e novas ligas estão migrando capital para propriedades com presença cultural e tração contínua.
A cultura digital não espera!
Enquanto outras ligas avançam com modelos proprietários, distribuição direta e integração nativa com plataformas sociais, o tênis ainda negocia com o seu próprio passado — difuso, lento e reativo.
No novo modelo da Silver Lake, o tênis parece ter perdido relevância. Não se comporta como propriedade intelectual (IP). Não tem previsibilidade de audiência. E não gera valor como ativo licenciado.
Isso não significa que está condenado. Porém, é um alerta para se reorganizar como ecossistema de conteúdo, não apenas como circuito esportivo.
A pergunta agora não é “quem comprou o Madrid Open?”
É: quem vai adquirir o tênis como linguagem?
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