O final do segundo ano de Ruptura, disponibilizado nesta sexta-feira, 21, pelo Apple TV+, seguiu a tendência da temporada de se dedicar mais às questões existenciais do que em apenas fornecer respostas aos seus (muitos) mistérios – um grande acerto, que consolida a série como uma das mais interessantes atualmente no ar.
Atenção: o texto abaixo discutirá detalhes do último episódio da segunda temporada de Ruptura. Não leia se não quiser saber o que acontece
A série criada por Dan Erickson parte de uma premissa intrigante: na empresa Lumon, há funcionários que passaram por um procedimento chamado ruptura para separar totalmente a vida pessoal da profissional. Os “internos”, que trabalham para a companhia, só existem quando estão lá, e não fazem ideia de como são as vidas de seus “externos” após o expediente (e vice-versa).
Ao longo da segunda temporada, a série reforçou uma ideia central: a de que os internos são, sim, pessoas independentes, com pensamentos e sentimentos próprios, não necessariamente compartilhados por seus externos. Um dos capítulos fez questão de frisar, inclusive, que no mundo de Ruptura há até igrejas que acreditam que os internos têm almas.
O episódio desta sexta, Cold Habor, escrito por Erickson e dirigido por Ben Stiller, levou essa ideia às últimas consequências, conduzindo o espectador por uma jornada dramática que opôs o protagonista Mark Scout (Adam Scott) a seu interno, Mark S. Os dois tiveram, com o auxílio de uma câmera, uma discussão sobre como poderiam trabalhar juntos para salvar Gemma (Dichen Lachman), que, segundo Harmony Cobel (Patricia Arquette), seria morta assim que Mark S. completasse o arquivo que dá nome ao capítulo.
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O interno, acontece, não estava totalmente disposto a abrir mão de sua vida e nunca mais existir depois que seu externo tivesse seu final feliz. Convencido por Helly R. (Britt Lower), porém, ele fez sua parte – até certo ponto. Embora tenha ajudado Gemma a ir até a saída da empresa, Mark S. decidiu ficar na empresa com Helly, a quem ama.
É um twist no mito grego de Orfeu e Eurídice. Nele, Orfeu vai ao mundo dos mortos resgatar sua amada, e consegue convencer Hades a levá-la. No entanto, ele não pode olhar para trás – o que ele faz, perdendo Eurídice para sempre. Em Ruptura, Gemma consegue deixar o submundo que é a Lumon, mas é Mark S. que se perde, enquanto a esposa de seu externo bate contra a porta, desesperada.
É um drama trágico, com camadas profundas. Mark Scout está mais do que justificado em sua ânsia de se reunir com a esposa, que por anos acreditou estar morta e que, descobrimos, passou esse tempo todo servindo de cobaia para a Lumon; ao mesmo tempo, é difícil julgar Mark S. por querer viver o único amor que conheceu no ambiente quase distópico da empresa.
Aflitivo, o final chega como o ápice de um episódio marcado por grandes momentos, como a espetacular sequência envolvendo o Sr. Milchick (Tramell Tillman) e a banda do departamento de Coreografia e Divertimento, e amplia o escopo a ser explorado na já confirmada terceira temporada de Ruptura. Resta torcer para que o novo ano demore menos para chegar ao streaming.