A narrativa se desenrola quando um grupo de pessoas com histórias marcadas por traumas e desajustes se vê confinado numa mesma casa, após um roubo de joias que não sai como o esperado. Entre sequestros, investigações jornalísticas, delírios e enfrentamentos íntimos, cada personagem é forçado a encarar o tempo – esse tempo que se deforma, acelera e desacelera, sempre vigiado por fantasmas. Para Mari Oliveira, que interpreta Vera, uma das protagonistas, a floresta e a própria natureza ganham contornos sobrenaturais: “Eu sentia a Vera quase como um ser místico, assim, dessa floresta. Ela busca ali uma testemunha do que está acontecendo. A vaca, a casa, a mata – tudo vira parte da narrativa e da dor dela”.
Lírio aprofunda: “O Agreste interfere no desenvolvimento dos personagens. A natureza conversa com eles o tempo todo, vigia, quer invadir. É uma presença ativa. A noite, a bruma, a casa… nada está ali só de enfeite. Tudo participa.” A atmosfera mística é parte essencial do estilo do diretor, mas neste filme, a tensão psicológica encontra seu contraponto no desequilíbrio assumido da linguagem. “Eu acho que o grande barato do filme é o desequilíbrio. Os personagens são desajustados. E o ambiente também. Não há equilíbrio a ser mantido, há o caos como matéria-prima”, afirma Ferreira.
Mari Oliveira, Julia Stockler e Pally Siqueira
Divulgação
Esse desequilíbrio, no entanto, não impediu que o elenco encontrasse uma sinergia rara durante as filmagens. Mari, que divide o protagonismo com Julia Stockler e Pally Siqueira, relembra, entre risos, os dias em que rãs apareciam nos banheiros das casas onde estavam hospedados em Bezerros: “Era comum sair grito dos quartos à noite. A gente se chamava de novo, e a resenha nunca acabava. Virou quase um Big Brother. Uma simbiose.” Mas também foi esse convívio intenso que aprofundou a construção coletiva do filme. “A gente não isolou nada”, lembra Lírio. “Foi um Big Brother com janelas e portas abertas. As eleições, a Copa, perdas e esperanças… tudo influenciava. O filme se transformava o tempo todo junto com a gente.”
A atuação de Mari, visceral e enérgica, também foi moldada por esse ambiente. Ela revela que o roteiro a instigou desde o início: “Eu li só uma parte e já quis fazer. Era uma chance de registrar atitude, raiva, autonomia… coisas que eu ainda não tinha feito como atriz. E tinha um trauma físico da personagem que eu pensava: como vou fazer isso? Era eletrizante.” Ao assistir ao filme já finalizado, a atriz se surpreendeu com a montagem e a trilha sonora. “Eu não esperava que fosse ser tão eletrizante. Saí tomada por uma faísca de coragem. Tem algo ali que reacende um desejo de retomada, de atitude.”
Sobre seu lugar no atual cenário do cinema brasileiro, Serra das Almas não pede licença. “O cinema brasileiro sempre se reinventa. Já teve tantas detenções e ainda está aqui. O nosso filme é multigênero, entra sem pudor”, pontua Lírio, antes de completar: “o cinema é um arco muito livre pra gente ter pudores”. E se a obra não traz uma mensagem direta com o atual, como ambos reconhecem, ela sugere um chamado. Como diz Mari: “Vamos abrir o olho, vamos estar atentos, vamos nos organizar. Porque o perigo está nos rondando.”
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