Não é minha intenção arranhar distinções dos diplomatas, esses profissionais da árdua e frustrante tarefa de relativizar a visão de chefes de Estado e terroristas imbuídos de um irremovível etnocentrismo.
Foi esse esforço diplomático de relativização que me levou ao espanto quando, em O Globo do dia 20 do corrente, li uma reportagem na qual um diplomata chamou a polícia ao receber uma carta anônima contendo o desenho colorido de um “pênis alado ou voador”.
Pois quem – num universo hipermachista como o brasileiro – não imagina um fantasioso membro viril com asas, esse atributo que todo terrestre inveja nos pássaros, anjos e super-heróis? Quem não fica intrigado com esses membros viris com capacidade permanente de subir, vencendo todos, todas e todes, sem precisar beber no lago azul?
Intrigou-me que um glorioso “pênis voador” não tenha combinado com a diplomacia que enfrenta repulsivas patifarias, como guerras, narcisismos e má-fé. Muito pior que o desenho colorido de uma “piroca alada” são os drones que destroem moradias e instalações fundamentais à vida.
Nas civilizações antigas e no Oriente, o pênis ereto com ou sem asas era um símbolo de sorte, força, amor, potência e, claro, de fertilidade. Os “pênis alados”, como os anjos, representam uma perenidade impossível no mundo real.
Todos os portadores desse órgão singular e preso a um corpo sabem dos seus caprichos. Pois se dedos, mãos, braços, pernas, língua e cabeça obedecem cegamente à vontade do dono do corpo do qual fazem parte, esse órgão causador de alvoroço no Itamaraty tem uma índole peculiar: não sendo automático, ele pode subir ou sumir.
Sua relação misteriosa com a consciência explica a idealização das asas reveladoras das vontades penianas que a vontade do seu suposto dono desconhece. São essas peculiaridades que o “cazzo volante” certamente expressava tanto na velha Roma quanto na nossa cosmologia.
Termino com uma curiosidade. Um nobre italiano, colega de estudos na Harvard dos anos 1960, presenteou-me com uma escultura desse mágico membro voador que guardo no mais elevado patamar da minha mais alta estante.
Quando estou pensando em morrer ou fracassar, olho esse símbolo certo de que ele vai me defender das hesitações que não ficam bem num jovial antropólogo de 88 primaveras!