Atriz compartilhou o momento nas redes sociais Taís Araujo iniciou a sexta-feira com ‘preguicinha’ ao se deparar com a manhã chuvosa do Rio de Janeiro.
Taís Araujo indo trabalhar
Reprodução/Instagram
Capa de abril da Vogue Brasil – por Aline Midlej
Entrevistar é sempre sobre ouvir uma história em busca da melhor versão dela. Já fiz muitas em 20 anos de jornalismo. Entrevistar e ver a si mesma em tantos momentos é singular, lindo e perturbador ao mesmo tempo. Na distância das nossas realidades profissionais, na proximidade dos desafios e dilemas, ouvi Taís Araujo por mais de duas horas. Uma artista que o Brasil ama, na qual milhões de brasileiras se enxergam, e que chega aos 47 anos pensando na festa dos 50, de bem com a idade, ciente do próprio tamanho, segura do que precisa ser feito e dito e sonhando com muito ainda a ser realizado. Vira e mexe, João Vicente, o primogênito de 14 anos, pergunta quando a mãe vai se aposentar, e a resposta está sempre pronta: “Nunca”.
Nosso mergulho compartilhado está na coragem de assumir os riscos dentro de um acordo ético e de coerência consigo mesma, pois não parece haver outra forma de viver para Taís, sempre fiel aos seus valores e convicções. Buscar inclusão, igualdade e valorização daquilo que é diverso compõe pensamentos e ações. Já não se cobra tanto a buscar um “equilíbrio” no seu ativismo, pois entendeu que o engajamento é uma companhia na caminhada artística que completa 30 anos neste 2025. Mas entendeu, não faz muito tempo, que é preciso estabelecer prioridades, e a arte prevalece. Também nos cruzamos na literatura de mulheres que iluminam caminhos e incendeiam preconceitos, sendo Taís, hoje, um dos maiores faróis que temos. A veia jornalística (seu primeiro diploma) traz a curiosidade.
Workaholic confessa, centralizadora confortável nesse papel, Taís diz que o confronto com o envelhecimento dos pais, com os quais mantém uma relação umbilical, tem tirado um pouco sua paz. Mas como fez a vida inteira, dores e angústias viram movimento e, neste caso, escolhas que mantêm a família sempre perto. Para a mágica acontecer, o dia precisa render. Ela começa às 5h, treina, leva os filhos à escola, mergulha no trabalho – neste momento, nas gravações de Vale Tudo – e, de noite, tem um compromisso inadiável com o marido, Lázaro Ramos: conversar. O hábito que, ela garante, tem sido fundamental para um casamento que completou 20 anos em 2024: “Você precisa se interessar, entender o que forma o outro, o caminho até ali, enxergar essa complexidade”, diz. As viagens em família e os jantares juntos todas as noites (possíveis) são um acordo imutável. É quando constroem um tempo de qualidade para estar juntos, recarregar e refletir sobre as vivências como uma família preta, ainda que muito privilegiada, num país racista. Tratar dessa realidade com o primogênito tem sido mais desafiador.
Saiba mais
Depois de gerenciar a carreira por conta própria nos últimos anos, contratou uma produtora para criar estratégias profissionais, uma secretária para organizar a vida, tudo com a chancela e orientação do amigo e assessor de longa data Antonio Trigo. Vive um momento de reestruturação total em que aprende a delegar e a ter mais estratégia: “Para que eu esteja focada e dedicada a fazer o que só eu posso fazer, minha arte”. Nada simples para uma mulher que precisou transpor tantas solidões até ser vista, olhada, desejada na sua autenticidade. Tem tido sucesso na busca por manter os filhos longe da exposição pública, mas há poucas semanas fomos brindados com um vídeo fofíssimo postado no Instagram por ocasião do aniversário da Maria Antônia. A publicação foi um pedido da filha. Nela, Taís vive uma experiência de fortalecimento da sua existência estética, negra, resistente, ao compartilhar com a caçula seus cremes de cabelo e aprendizados de mulher preta pioneira. Foi apenas em 2020, em Amor de Mãe, que a atriz dividiu com os internautas a satisfação de usar seu cabelo totalmente natural pela primeira vez num trabalho: “Deixo ele ser, simplesmente”.
E assim, mais livre, ela vive a alegria de ser capa da Vogue, desta vez, numa edição celebratória. Por tantos anos rejeitada pela publicidade, hoje, é ícone. De moda, comportamento, tendência. Ela fala, a gente ouve. Ela chega, todo mundo repara. Ela lança, quem não acompanha? Nessas duas horas de conversa, se emocionou a ponto de não controlar o choro quando falou do novo desafio: a nova interpretação de Raquel Acioli, em Vale Tudo. Se viu, e viu tantas mulheres brasileiras, através dela. Não esperava. A seguir, os melhores momentos da entrevista, com o mais inspirador dessa sagitariana que está com as rédeas da vida nas mãos, como nunca.
Vogue: Maternidade é algo central na sua vida. O que te preocupa?
Taís: Minha vida é pedir que João Vicente (14 anos) não saia desarrumado na rua. Estou evitando um trauma. Recentemente, viajamos de férias, alugamos uma casa num condomínio no Brasil e um segurança o parou. Ele e um amigo, um amigo preto também, os dois de bicicleta. Perguntou se eram moradores. Falei para ele que se fosse um menino branco, de olho azul, seria diferente.
Vogue: Ele entendeu?
Taís: Não, ele quer desafiar. Ele fala: “Até parece. Roupa não significa nada, não determina se a pessoa é boa ou não”. Ele vem com uns conceitos em que ele está certo. Não deveria significar nada mesmo. Mas falo: “Cara, neste país, isso vai te proteger”. Conversas dificílimas. É o desafio de criar crianças pretas no lugar de privilégio, né?
Vogue: Sim, em um lugar que nós vivemos. De sermos únicos nesses espaços.
Taís: Sim, hoje eles têm alguns amigos pretos na escola, mas poucos. A gente não tinha ninguém. Eles se juntam, é bonito. Os meninos mais do que as meninas.
Vogue: Como é criar uma menina preta, ainda que privilegiada, no Brasil de 2025?
Taís: Quando engravidei e vi que a Maria era menina, fiquei muito feliz. Ao mesmo tempo, insegura. A menina te obriga a rever o passado, a infância, as relações com a sua mãe, com a sua irmã, com o mundo, com as amigas. E aí você vai reconhecendo toda a ordem de racismo, abuso, de coisas ruins e boas que te forjaram. O meu analista fala: “Filhos, se soubessem como são bons para a gente se entender, cobrariam cachê”. A maternidade me obrigou demais a olhar para mim.
Vogue: No vídeo que fez com a Maria Antônia nas suas redes, estão as duas com o cabelo igual. Cabelo, para nós, é muito mais que cabelo. Como tem essa construção com ela?
Taís: O nosso cabelo é a nossa vida. Deixo pegar tudo, maquiagem, cremes, já começou a usar minhas roupas. Cuidar do cabelo é um programa nosso.
Vogue: Você criou uma forma autêntica de produzir conteúdo nas redes sociais. Como é essa relação com sua saúde mental?
Taís: Uso muito o celular, mas com limites. Na hora do almoço, jantar, não tem. Meu problema é o WhatsApp, não é o Instagram. Às vezes eu tenho tempo vazio, eu falo, vou catar uma fofoca aqui (risos). Aí eu cato uma pessoa para ter uma conversa. Mas, por exemplo, vira e mexe eu removo o app do Instagram quando eu percebo que está me dominando demais. Detesto ser manipulada.
Vogue: Até pouco tempo atrás, você era empresária de si mesma, chegava a marcar o cabeleireiro. O que mudou e por quê?
Taís: Estou aprendendo a delegar. Comecei a sacar que o que estava chegando para mim era muito baseado no meu posicionamento e precisava organizar isso. Não podia e não conseguiria ser ativista e artista ao mesmo tempo, e aí entendi que eu era artista. Porque a questão do ativismo é sedutora, é o lugar que as pessoas te escutam. E, dentro do mundo que vivo e espero para os meus filhos, reivindicar direitos faz sentido. Direitos que, para mim, são muito nítidos, que existem e são negados. Fui convencida de que precisava de alguém para organizar a minha vida, para o meu tempo ser para o que só eu posso fazer. Preciso de estratégia e de estrutura para seguir e fazer algo que realmente seja importante. Nem sempre é fácil entender o próprio tamanho, se ver grande e confortável para poder tomar decisões.
Vogue: Por tudo o que representa, se sente pressionada a estar sempre engajada?
Taís: Meu lugar não é a página policial, é a de cultura. Antes, as pessoas tinham muita dificuldade, questionavam por que eu não falava sobre determinado assunto polêmico. Também quero falar sobre minha carreira, não apenas sobre racismo, entende?
Vogue: Você e Lázaro completaram 20 anos de casado. São vários casamentos em um só? Têm algum ritual?
Taís: Tudo é construção. Revendo contratos sempre. Um dá ao outro o que falta, sabe? A gente se completa, inclusive na questão política, do que cada um viveu e trouxe disso. Amor é sobre vontade de estar junto, reconhecer a fragilidade do outro, entender a pessoa a partir do repertório que ela tem. Conversar. Hoje mesmo falei: “Vamos sair essa semana para conversar”. E acabei de ligar para o hotel para marcar de a gente ir na sexta-feira agora, passar a noite lá. Porque tem um negócio de um jantar na lua cheia que eu quero ir. Vira e mexe eu faço isso. Reservo e o aviso.
Vogue: Seu projeto mais recente é um Clube do Livro, voltado para a literatura feminina. No Dia Internacional da Mulher, publicou os ensinamentos de Bell Hooks.
Taís: Bell Hooks não é uma novidade para mim, mas quando eu montei esse Clube do Livro, pensei na importância de formar mulheres com literatura de preferência negra. Quero impactar mulheres negras na questão da importância da educação, da formação e da construção da identidade preta. É desafiador num país onde se lê pouco.
Vogue: Você ganhou o Brasil com vários dos seus papéis célebres nas novelas da Globo. Mas é formada em jornalismo e já atuou lindamente como entrevistadora, inclusive como a primeira mulher negra a apresentar um programa de beleza.
Taís: A veia jornalística está na curiosidade, e sou muito curiosa. Quero saber da vida dos outros até na fila do mercado, na praia. Esses dias, na praia do Flamengo, comecei a papear com o vizinho de areia, ele contou a vida dele inteira para mim, que ele tinha se separado, que a ex-mulher morava na mesma casa, que ele tinha uma filha de 30 anos, que realmente tinha vacilado (risos).
Vogue: O que angustia a Taís Araujo hoje?
Taís: Meus pais estão envelhecendo, tenho pensado muito na velhice. Venho de uma família muito simples e preta, todo mundo morreu jovem. A mãe da minha mãe morreu com 37 anos. Fico pensando na velhice dos meus pais e na minha. E a velhice é uma construção. Meus pais viveram muito para a gente, só para a gente, não têm uma rede, amigos. Hoje, meio que administro a vida deles, cuido, levo comigo o tempo inteiro.
Vogue: Os 50 anos se aproximam…
Taís: E só penso no festão que vou fazer! Serão três dias de festa. Estou louca para chegar aos 50. É muito melhor ser mulher hoje do que há dez, 20 anos. O que a gente vem conquistando, o nosso conhecimento, as pautas que foram colocadas, vários corpos sendo incluídos. Essa mudança de pensamento começou quando eu fiz 40, entendi que precisava me cuidar, comer bem, me exercitar todo dia. Se hoje estou chegando aos 50 assim, é porque me impus essa mudança, mas não deixo de curtir, senão a vida vira só trabalho.
Vogue: Quando esta edição de Vogue estiver nas bancas, o Brasil já vai conhecer a sua Raquel Acioli, no remake de Vale Tudo.
Taís: Demorei para me tocar que a Raquel estava chegando em meus 30 anos de carreira. Fiquei muito chocada com toda a complexidade dessa personagem. É sensacionalmente bem escrita, bem construída. Essa personagem mexe com o que é fundamental na minha vida: com a mãe que eu sou e tento ser, a filha que sou e tento ser. Vejo muito a Raquel na minha mãe, muito, muito, muito.
Vogue: Você falou de tantos sentimentos profundos nesta entrevista, mas se emocionou para valer ao falar de Vale Tudo.
Taís: Poucos dias antes de começar as gravações, tive uma crise de labirintite… Nunca tive labirintite, sabe? Tive crises de choro, eu não acreditava no que estava acontecendo. Sempre fui muito focada, organizada e pragmática no trabalho, me preparava e fazia. De repente, me veio uma insegurança, um medo. Começamos a gravar e foi. Essa novela está me dando borboletas no estômago.
Vogue: Por que será?
Taís: Acho que é mais sobre como a personagem mexe comigo, a importância de ter sido também escolhida para estar nesse papel, que é um papel muito simbólico, com um perfil de atriz totalmente diferente do que foi a Regina Duarte lá atrás. O que a Regina simbolizava para o país naquele momento – 37 anos atrás – e por que eu sou escolhida neste momento. A minha Raquel, como ela está sendo construída, é uma personagem muito reconhecível por todos nós. É a mulher brasileira que está aí na base dessa pirâmide.
Vogue: E a moda, como entrou na sua vida?
Taís: Moda é um instrumento de comunicação. Essa referência foi sendo construída. E tem a ver com aprender a se relacionar com o que sempre foi visto como luxo para mulheres como nós. Meu filho veio me perguntar por que eu tinha tanto sapato. Eu falei: “Não reclama não, minha avó andava descalça”. Tem muitos símbolos nisso. É muito importante uma mulher preta como eu ter essa possibilidade, isso é político também. Isso impacta em outras mulheres, isso é uma mudança de história, isso é uma quebra de padrão.
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Vogue: Como define a sua moda?
Taís: Pergunta complexa. Moda é mensagem. Eu quero passar uma mensagem de possibilidades, de que é possível a gente ser o que a gente é sem perder a nossa essência e ir para outros lugares que a gente nunca imaginou.
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Taís Araujo indo trabalhar
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Entrevistar é sempre sobre ouvir uma história em busca da melhor versão dela. Já fiz muitas em 20 anos de jornalismo. Entrevistar e ver a si mesma em tantos momentos é singular, lindo e perturbador ao mesmo tempo. Na distância das nossas realidades profissionais, na proximidade dos desafios e dilemas, ouvi Taís Araujo por mais de duas horas. Uma artista que o Brasil ama, na qual milhões de brasileiras se enxergam, e que chega aos 47 anos pensando na festa dos 50, de bem com a idade, ciente do próprio tamanho, segura do que precisa ser feito e dito e sonhando com muito ainda a ser realizado. Vira e mexe, João Vicente, o primogênito de 14 anos, pergunta quando a mãe vai se aposentar, e a resposta está sempre pronta: “Nunca”.
Nosso mergulho compartilhado está na coragem de assumir os riscos dentro de um acordo ético e de coerência consigo mesma, pois não parece haver outra forma de viver para Taís, sempre fiel aos seus valores e convicções. Buscar inclusão, igualdade e valorização daquilo que é diverso compõe pensamentos e ações. Já não se cobra tanto a buscar um “equilíbrio” no seu ativismo, pois entendeu que o engajamento é uma companhia na caminhada artística que completa 30 anos neste 2025. Mas entendeu, não faz muito tempo, que é preciso estabelecer prioridades, e a arte prevalece. Também nos cruzamos na literatura de mulheres que iluminam caminhos e incendeiam preconceitos, sendo Taís, hoje, um dos maiores faróis que temos. A veia jornalística (seu primeiro diploma) traz a curiosidade.
Workaholic confessa, centralizadora confortável nesse papel, Taís diz que o confronto com o envelhecimento dos pais, com os quais mantém uma relação umbilical, tem tirado um pouco sua paz. Mas como fez a vida inteira, dores e angústias viram movimento e, neste caso, escolhas que mantêm a família sempre perto. Para a mágica acontecer, o dia precisa render. Ela começa às 5h, treina, leva os filhos à escola, mergulha no trabalho – neste momento, nas gravações de Vale Tudo – e, de noite, tem um compromisso inadiável com o marido, Lázaro Ramos: conversar. O hábito que, ela garante, tem sido fundamental para um casamento que completou 20 anos em 2024: “Você precisa se interessar, entender o que forma o outro, o caminho até ali, enxergar essa complexidade”, diz. As viagens em família e os jantares juntos todas as noites (possíveis) são um acordo imutável. É quando constroem um tempo de qualidade para estar juntos, recarregar e refletir sobre as vivências como uma família preta, ainda que muito privilegiada, num país racista. Tratar dessa realidade com o primogênito tem sido mais desafiador.
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Depois de gerenciar a carreira por conta própria nos últimos anos, contratou uma produtora para criar estratégias profissionais, uma secretária para organizar a vida, tudo com a chancela e orientação do amigo e assessor de longa data Antonio Trigo. Vive um momento de reestruturação total em que aprende a delegar e a ter mais estratégia: “Para que eu esteja focada e dedicada a fazer o que só eu posso fazer, minha arte”. Nada simples para uma mulher que precisou transpor tantas solidões até ser vista, olhada, desejada na sua autenticidade. Tem tido sucesso na busca por manter os filhos longe da exposição pública, mas há poucas semanas fomos brindados com um vídeo fofíssimo postado no Instagram por ocasião do aniversário da Maria Antônia. A publicação foi um pedido da filha. Nela, Taís vive uma experiência de fortalecimento da sua existência estética, negra, resistente, ao compartilhar com a caçula seus cremes de cabelo e aprendizados de mulher preta pioneira. Foi apenas em 2020, em Amor de Mãe, que a atriz dividiu com os internautas a satisfação de usar seu cabelo totalmente natural pela primeira vez num trabalho: “Deixo ele ser, simplesmente”.
E assim, mais livre, ela vive a alegria de ser capa da Vogue, desta vez, numa edição celebratória. Por tantos anos rejeitada pela publicidade, hoje, é ícone. De moda, comportamento, tendência. Ela fala, a gente ouve. Ela chega, todo mundo repara. Ela lança, quem não acompanha? Nessas duas horas de conversa, se emocionou a ponto de não controlar o choro quando falou do novo desafio: a nova interpretação de Raquel Acioli, em Vale Tudo. Se viu, e viu tantas mulheres brasileiras, através dela. Não esperava. A seguir, os melhores momentos da entrevista, com o mais inspirador dessa sagitariana que está com as rédeas da vida nas mãos, como nunca.
Vogue: Maternidade é algo central na sua vida. O que te preocupa?
Taís: Minha vida é pedir que João Vicente (14 anos) não saia desarrumado na rua. Estou evitando um trauma. Recentemente, viajamos de férias, alugamos uma casa num condomínio no Brasil e um segurança o parou. Ele e um amigo, um amigo preto também, os dois de bicicleta. Perguntou se eram moradores. Falei para ele que se fosse um menino branco, de olho azul, seria diferente.
Vogue: Ele entendeu?
Taís: Não, ele quer desafiar. Ele fala: “Até parece. Roupa não significa nada, não determina se a pessoa é boa ou não”. Ele vem com uns conceitos em que ele está certo. Não deveria significar nada mesmo. Mas falo: “Cara, neste país, isso vai te proteger”. Conversas dificílimas. É o desafio de criar crianças pretas no lugar de privilégio, né?
Vogue: Sim, em um lugar que nós vivemos. De sermos únicos nesses espaços.
Taís: Sim, hoje eles têm alguns amigos pretos na escola, mas poucos. A gente não tinha ninguém. Eles se juntam, é bonito. Os meninos mais do que as meninas.
Vogue: Como é criar uma menina preta, ainda que privilegiada, no Brasil de 2025?
Taís: Quando engravidei e vi que a Maria era menina, fiquei muito feliz. Ao mesmo tempo, insegura. A menina te obriga a rever o passado, a infância, as relações com a sua mãe, com a sua irmã, com o mundo, com as amigas. E aí você vai reconhecendo toda a ordem de racismo, abuso, de coisas ruins e boas que te forjaram. O meu analista fala: “Filhos, se soubessem como são bons para a gente se entender, cobrariam cachê”. A maternidade me obrigou demais a olhar para mim.
Vogue: No vídeo que fez com a Maria Antônia nas suas redes, estão as duas com o cabelo igual. Cabelo, para nós, é muito mais que cabelo. Como tem essa construção com ela?
Taís: O nosso cabelo é a nossa vida. Deixo pegar tudo, maquiagem, cremes, já começou a usar minhas roupas. Cuidar do cabelo é um programa nosso.
Vogue: Você criou uma forma autêntica de produzir conteúdo nas redes sociais. Como é essa relação com sua saúde mental?
Taís: Uso muito o celular, mas com limites. Na hora do almoço, jantar, não tem. Meu problema é o WhatsApp, não é o Instagram. Às vezes eu tenho tempo vazio, eu falo, vou catar uma fofoca aqui (risos). Aí eu cato uma pessoa para ter uma conversa. Mas, por exemplo, vira e mexe eu removo o app do Instagram quando eu percebo que está me dominando demais. Detesto ser manipulada.
Vogue: Até pouco tempo atrás, você era empresária de si mesma, chegava a marcar o cabeleireiro. O que mudou e por quê?
Taís: Estou aprendendo a delegar. Comecei a sacar que o que estava chegando para mim era muito baseado no meu posicionamento e precisava organizar isso. Não podia e não conseguiria ser ativista e artista ao mesmo tempo, e aí entendi que eu era artista. Porque a questão do ativismo é sedutora, é o lugar que as pessoas te escutam. E, dentro do mundo que vivo e espero para os meus filhos, reivindicar direitos faz sentido. Direitos que, para mim, são muito nítidos, que existem e são negados. Fui convencida de que precisava de alguém para organizar a minha vida, para o meu tempo ser para o que só eu posso fazer. Preciso de estratégia e de estrutura para seguir e fazer algo que realmente seja importante. Nem sempre é fácil entender o próprio tamanho, se ver grande e confortável para poder tomar decisões.
Vogue: Por tudo o que representa, se sente pressionada a estar sempre engajada?
Taís: Meu lugar não é a página policial, é a de cultura. Antes, as pessoas tinham muita dificuldade, questionavam por que eu não falava sobre determinado assunto polêmico. Também quero falar sobre minha carreira, não apenas sobre racismo, entende?
Vogue: Você e Lázaro completaram 20 anos de casado. São vários casamentos em um só? Têm algum ritual?
Taís: Tudo é construção. Revendo contratos sempre. Um dá ao outro o que falta, sabe? A gente se completa, inclusive na questão política, do que cada um viveu e trouxe disso. Amor é sobre vontade de estar junto, reconhecer a fragilidade do outro, entender a pessoa a partir do repertório que ela tem. Conversar. Hoje mesmo falei: “Vamos sair essa semana para conversar”. E acabei de ligar para o hotel para marcar de a gente ir na sexta-feira agora, passar a noite lá. Porque tem um negócio de um jantar na lua cheia que eu quero ir. Vira e mexe eu faço isso. Reservo e o aviso.
Vogue: Seu projeto mais recente é um Clube do Livro, voltado para a literatura feminina. No Dia Internacional da Mulher, publicou os ensinamentos de Bell Hooks.
Taís: Bell Hooks não é uma novidade para mim, mas quando eu montei esse Clube do Livro, pensei na importância de formar mulheres com literatura de preferência negra. Quero impactar mulheres negras na questão da importância da educação, da formação e da construção da identidade preta. É desafiador num país onde se lê pouco.
Vogue: Você ganhou o Brasil com vários dos seus papéis célebres nas novelas da Globo. Mas é formada em jornalismo e já atuou lindamente como entrevistadora, inclusive como a primeira mulher negra a apresentar um programa de beleza.
Taís: A veia jornalística está na curiosidade, e sou muito curiosa. Quero saber da vida dos outros até na fila do mercado, na praia. Esses dias, na praia do Flamengo, comecei a papear com o vizinho de areia, ele contou a vida dele inteira para mim, que ele tinha se separado, que a ex-mulher morava na mesma casa, que ele tinha uma filha de 30 anos, que realmente tinha vacilado (risos).
Vogue: O que angustia a Taís Araujo hoje?
Taís: Meus pais estão envelhecendo, tenho pensado muito na velhice. Venho de uma família muito simples e preta, todo mundo morreu jovem. A mãe da minha mãe morreu com 37 anos. Fico pensando na velhice dos meus pais e na minha. E a velhice é uma construção. Meus pais viveram muito para a gente, só para a gente, não têm uma rede, amigos. Hoje, meio que administro a vida deles, cuido, levo comigo o tempo inteiro.
Vogue: Os 50 anos se aproximam…
Taís: E só penso no festão que vou fazer! Serão três dias de festa. Estou louca para chegar aos 50. É muito melhor ser mulher hoje do que há dez, 20 anos. O que a gente vem conquistando, o nosso conhecimento, as pautas que foram colocadas, vários corpos sendo incluídos. Essa mudança de pensamento começou quando eu fiz 40, entendi que precisava me cuidar, comer bem, me exercitar todo dia. Se hoje estou chegando aos 50 assim, é porque me impus essa mudança, mas não deixo de curtir, senão a vida vira só trabalho.
Vogue: Quando esta edição de Vogue estiver nas bancas, o Brasil já vai conhecer a sua Raquel Acioli, no remake de Vale Tudo.
Taís: Demorei para me tocar que a Raquel estava chegando em meus 30 anos de carreira. Fiquei muito chocada com toda a complexidade dessa personagem. É sensacionalmente bem escrita, bem construída. Essa personagem mexe com o que é fundamental na minha vida: com a mãe que eu sou e tento ser, a filha que sou e tento ser. Vejo muito a Raquel na minha mãe, muito, muito, muito.
Vogue: Você falou de tantos sentimentos profundos nesta entrevista, mas se emocionou para valer ao falar de Vale Tudo.
Taís: Poucos dias antes de começar as gravações, tive uma crise de labirintite… Nunca tive labirintite, sabe? Tive crises de choro, eu não acreditava no que estava acontecendo. Sempre fui muito focada, organizada e pragmática no trabalho, me preparava e fazia. De repente, me veio uma insegurança, um medo. Começamos a gravar e foi. Essa novela está me dando borboletas no estômago.
Vogue: Por que será?
Taís: Acho que é mais sobre como a personagem mexe comigo, a importância de ter sido também escolhida para estar nesse papel, que é um papel muito simbólico, com um perfil de atriz totalmente diferente do que foi a Regina Duarte lá atrás. O que a Regina simbolizava para o país naquele momento – 37 anos atrás – e por que eu sou escolhida neste momento. A minha Raquel, como ela está sendo construída, é uma personagem muito reconhecível por todos nós. É a mulher brasileira que está aí na base dessa pirâmide.
Vogue: E a moda, como entrou na sua vida?
Taís: Moda é um instrumento de comunicação. Essa referência foi sendo construída. E tem a ver com aprender a se relacionar com o que sempre foi visto como luxo para mulheres como nós. Meu filho veio me perguntar por que eu tinha tanto sapato. Eu falei: “Não reclama não, minha avó andava descalça”. Tem muitos símbolos nisso. É muito importante uma mulher preta como eu ter essa possibilidade, isso é político também. Isso impacta em outras mulheres, isso é uma mudança de história, isso é uma quebra de padrão.
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Vogue: Como define a sua moda?
Taís: Pergunta complexa. Moda é mensagem. Eu quero passar uma mensagem de possibilidades, de que é possível a gente ser o que a gente é sem perder a nossa essência e ir para outros lugares que a gente nunca imaginou.
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