“A fatalidade definitiva, a maior tara que pode afligir um grupo humano e impedi-lo de realizar plenamente a sua natureza, é estar só.” Claude Lévi-Strauss
Na Idade Média, indulgências eram um engenho religioso que antecipava mecanismos capitalistas, revelando como preces e doações para a Igreja Católica seguiam a lógica do comércio. Na contabilidade celestial, as indulgências permitiam subtrair os “tarifaços” dos pecados, aliviando castigos no Purgatório. Penas que São Pedro, o guardião da porta do Céu, arbitrava.
Exatamente como hoje faz o presidente Donald Trump, com suas espalhafatosas tabelas tarifárias nos braços, numa grosseira imitação de Moisés com as Tábuas da Lei. Trump posa de justiceiro de um tapeado Estados Unidos, o país mais rico do mundo!
É radical a diferença com São Pedro, pois, enquanto Pedro contabiliza positivamente, Donald – o profeta do Maga e do isolamento racista – julga países parceiros como infames competidores comerciais num insulto para quem é o presidente da nação que inventou a interdependência da esfera comercial.
Quando Trump apresenta o maior e mais rico país do mundo como vítima do Canadá e do México, cujo território foi “anexado” pelo imperialismo americano, e, simultaneamente, expulsa e faz campanha contra os imigrantes que fabricaram os Estados Unidos, ele instala na América uma inimaginável Cortina de Ferro!
Em 1946, Winston Churchill cunhou a expressão “Cortina de Ferro” para definir a separação entre o totalitarismo soviético e a liberdade do universo capitalista. Cortina que o inconsciente da direita republicana recria entusiasticamente com o movimento Maga, que é um programa isolacionista no qual os EUA fecham suas fronteiras e invertem a ideologia liberal e libertária do capitalismo comercial. É mais do que imaginou George Orwell. É o capitalismo liberal recriando o seu avesso – o Grande Irmão e a ditadura dos bilionários. A propósito, um lado meu ainda espera que Trump compre a Casa Branca e a Estátua da Liberdade.
Cortina que hoje seria um abismo entre um mundo que o país que Trump governa globalizou com o esforço tecnológico e capitalista da simultaneidade digital.
A questão maior, porém, não fica somente na burrice de um tarifaço compadre do suicídio. Pois revela uma densa ignorância do significado social das trocas e da solidariedade que elas engendram.
PS: Meus amigos americanos estão aturdidos. É que lá o puritanismo do tudo ou nada liquidou a malandragem e o malandro do mais ou menos e do cinismo. Trump, my friends, é malandro!